Cresce procura por gestores de risco

Segundo a consultoria Michael Page, especializada no recrutamento de executivos para média e alta gerência, entre o último semestre de 2008 e o primeiro trimestre de 2009, a procura por esses executivos no Brasil aumentou 40%, somente entre as companhias de seguros. "Com a recessão, as organizações ficaram mais preocupadas em diminuir possíveis perdas nas operações", analisa Ricardo Barcelos, gerente da divisão de seguros e saúde da Michael Page. "É aqui que entram os gestores de riscos." A gestão de risco é considerada uma atividade relativamente nova no mercado: a demanda por profissionais da área começou a bater na porta dos recrutadores no final dos anos 1990. Segundo especialistas, a maioria dos executivos vem do setor de auditoria e trabalha, principalmente, de olho no comportamento das áreas comerciais e financeiras de médias e grandes empresas. Na prática, medem e mapeiam riscos, para que as melhores decisões sejam tomadas pela diretoria. Mas há outros perigos na agenda desses profissionais, como panes em serviços, incêndios, danos à imagem corporativa e desastres ambientais. Hoje, além do segmento de seguros, os gestores de riscos estão concentrados em organizações financeiras, jurídicas e agrícolas. "O principal objetivo da gestão de risco é melhorar o desempenho financeiro da empresa e assegurar que ela não sofra perdas inaceitáveis", explica Arnaldo Corrêa, sócio da Archer Consulting e membro da Professional Risk Managers International Association (PRMIA), associação internacional de profissionais de gerenciamento de riscos que define padrões para o desempenho da atividade. "Em resumo, o gestor deve entender os riscos que estão sendo tomados pelas empresas, medi-los e comunicá-los à cúpula." Para isso, o executivo precisa entender como funcionam todas as áreas da empresa, conhecer os processos de negócios, ter uma visão a longo prazo, conhecimento de governança corporativa e do mercado financeiro - além de acumular vivências em situações de estresse. É o que recomenda Roberto Zegarra, vice-presidente para a América Latina e Caribe da área de continuidade de negócios da Marsh. A empresa, que atua com gerenciamento de riscos e consultoria de benefícios, acaba de divulgar um estudo realizado com 149 companhias globais de capital aberto em diversos setores. A análise revelou que 75% das entrevistadas não comunicam regularmente aos investidores detalhes dos projetos de gestão de risco. E a principal razão dessa falta de informação seria a carência de especialistas da área de risco. "Ainda falta às empresas um comando que faça um alinhamento entre processos internos, governança, equipes e a área de tecnologia", resume Zegarra, que coordenou, nos Estados Unidos, o plano de continuidade do Banco Mundial há dez anos. Para ele, qualquer empresa que enfrenta mudanças e conhece o "peso" do risco das suas operações deve se armar com um profissional do gênero. No Brasil, a Marsh localizou uma maior demanda de gestores de risco nos fundos de pensão. "Quem lida com grandes quantidades de dinheiro está mais propenso a manter um controlador nos seus quadros", observa Stephen Ellis, líder de consultoria de risco da Marsh. Segundo os analistas, as empresas que montam unidades de controle de riscos chegam a investir até 7% do faturamento anual na área. Geralmente, o volume de recursos aplicado depende dos sistemas de gerenciamento que a organização já possui, da complexidade do seu core business e do mix de produtos que oferece -que também pode ajudar a engordar o tamanho do risco operacional. "Esses investimentos crescem à medida que as organizações passam a conhecer suas fragilidades e a dimensão do impacto que poderão sofrer com uma operação mal-sucedida. E isso pode incluir até uma empresa com um data center às margens do rio Tietê, em dias de chuva", compara Zegarra. "Hoje, as companhias precisam prever situações de riscos operacionais, estratégicos, financeiros e ambientais", concorda Ricardo Barcelos, da Michael Page. Para ele, com a crise financeira, a lista de prioridades das corporações começa com a retenção de perdas, para só depois chegar a outras objetivos, como o aumento da produção. Segundo Fernando Pinheiro, especialista em gestão de riscos e professor da Fundação Instituto de Administração (FIA), a área já é considerada essencial dentro dos bancos. Nas indústrias e prestadoras de serviços, a estruturação desse segmento é mais difundida nas companhias de capital aberto. "Muitas vezes, os departamentos de risco não têm acesso aos níveis mais elevados de empresas não financeiras, motivadas pela perspectiva de captação de recursos por meio da emissão de ações ou de debêntures", lembra. "Se fosse diferente, não teríamos testemunhado as dificuldades que algumas organizações tiveram no Brasil com derivativos indexados à taxa do câmbio". No ano passado, a Sadia, do setor de alimentos, teve um prejuízo de R$ 2,5 bilhões, causado basicamente por operações de derivativos cambiais tóxicos. Para o professor Alexandre Assaf Neto, idealizador do MBA de Gestão Financeira e Risco da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), uma empresa pode considerar o risco nas suas decisões de investimentos, na estrutura dos negócios e até nas estratégias de crescimento. "Já um banco deve controlar o risco de mercado, de crédito, liquidez e operacional", explica. "Hoje, o risco nas instituições financeiras se tornou mais visível, diante dos últimos acontecimentos globais." Na Rio Bravo, gestora independente de recursos que administra um patrimônio de R$ 2,5 bilhões, o profissional de risco tem uma cadeira reservada desde a fundação da companhia, em 2000. Hoje, o diretor Miguel Russo é responsável pela área de risco e compliance e cumpre uma agenda cheia. "Faz parte do trabalho produzir relatórios periódicos que apontem o enquadramento dos recursos na legislação vigente e ainda participar de fóruns decisórios da empresa", diz o executivo, que lidera uma equipe de sete funcionários. Para o professor Assaf, além da busca mais acentuada de profissionais do setor, está aumentando o interesse do mercado em se aprofundar no mundo dos riscos. No MBA em gestão de finanças e riscos da Fipecafi, criado em maio de 1998, a procura pelas matrículas cresce em média 20% por ano, desde 2007. A maioria dos alunos tem experiência profissional de dez anos e cerca de 50% são originados do mercado financeiro, enquanto 15% deles já são consultores e analistas de riscos e 35% atuam em empresas não financeiras de médio e grande porte. "A demanda ocorre por conta das recomendações regulatórias do Banco Central para as instituições financeiras e das boas práticas de governança corporativa instaladas nas empresas", explica. "A tendência é que o gestor de risco assuma posições mais importantes dentro das companhias e seja cada vez mais ouvido nas reuniões estratégicas", afirma Barcelos, da Michael Page. "Com a complexidade do novo mercado global, atualmente desestabilizado, a avaliação de risco é quase uma avaliação do futuro da empresa." É exatamente com esse olho no amanhã que o superintendente de riscos da Brasilprev Seguros e Previdência, Marcelo Wagner, chega ao escritório todos os dias. Há um ano na função, Wagner foi contratado para vitaminar o setor, criado na companhia em 1999. "A área nasceu para acompanhar os riscos financeiros e a gestão de ativos e passivos", lembra. "Agora, todos os riscos estratégicos -de mercado, liquidez, crédito, subscrição, operacional e legal -têm de ser mapeados." A preocupação de Wagner não é de graça. Com 15 anos de estrada, a Brasilprev é uma das líderes do mercado brasileiro de previdência complementar aberta, tem mais de R$ 20 bilhões em ativos sob gestão e uma carteira com mais de 2 milhões de contratos. A partir de 2007, incluiu a gestão de risco como uma das suas três diretrizes estratégicas, ao lado do crescimento da arrecadação e da eficiência operacional. Para quem está em dúvida se deve contratar ou não um gerente de riscos, Wagner, que acumula 13 anos de experiência no setor dá a dica: a figura desse gestor vai ficar cada vez mais comum nos corredores das organizações, acompanhando a arrancada de algumas empresas. "E esse crescimento deve reservar aportes para manter e incrementar a área de riscos", diz o executivo, que desempenhou função similar numa filial do Banco do Brasil no Reino Unido. Com a importância que o setor ganhou na Brasilprev, Wagner agora lidera uma equipe de dez pessoas -foram três contratações somente no início de 2009 -e ainda conseguiu um feito que todo gestor da área sonha em concluir: incutir a cultura do gerenciamento de risco no sangue da empresa. Para isso, criou um comitê de riscos, chefiado pelo próprio presidente da companhia e composto de dois diretores e mais seis superintendentes. "O gestor de riscos ganhou mais evidência nesses tempos de crise, mas ele também é imprescindível em épocas de calmaria, os períodos ideais para fazer planejamentos a longo prazo." Fonte: Valor Econômico