"A revolução da longevidade não pode ser silenciosa", afirma Kalache

Feche os olhos e imagine: com que idade vai morrer, de que causa e onde. Pensou? Vamos ao resultado. Assim o médico Alexandre Kalache, presidente do Centro de Longevidade, iniciou sua apresentação sobre os desafios da vida longa durante o 2013 Conferência Latino Americana Limra Loma, realizada entre os dias 25 e 27 de agosto, em Foz do Iguaçu, no Paraná.

Quase 70% da plateia idealiza morrer com idade superior a 80 anos, de doenças rápidas, como um ataque cardíaco, e em casa. “Sinto informar que estão certos para a primeira questão. A expectativa de vida para o Brasil, hoje de 76 anos, vai aumentar nas duas próximas décadas. Mas para as outras duas estão errados. Muitos vão morrer de doenças crônicas, de câncer, de Alzheimer... doenças de longo sofrimento, tanto do ponto de vista emocional como financeiro”, afirmou.

Silêncio total na plateia, quebrado pelo otimismo do profissional que estuda saúde e longevidade há muitos anos. “Esse cenário pode mudar. Afinal, a longevidade é algo bom e de forma alguma deve ser encarada como um problema. Tudo vai depender de como vocês conduzem a rota da vida de vocês no sentido de hábitos saudáveis, bem como no tipo de herança profissional que pretendem deixar no mercado de seguros, um dos segmentos que pode ser o propulsor da revolução da longevidade mundial”, diz.

Para entender melhor o raciocínio de Kalache, importante citar outro exercício de futurologia realizado com a plateia. Dessa vez, ele pediu aos mais de 500 executivos reunidos no auditório do Hotel Borbom Cataratas, que imaginassem aonde estariam na festa de comemoração de 85 anos. “Num asilo?”, perguntou o palestrante. Ninguém levantou a mão. “Num hospital geriátrico?” Nada. “Morando com os filhos?” Não. Mais de 80% da dos ouvintes levantaram a mão quando a sugestão foi “Viajando com amigos”.
“Novamente tenho de alertá-los. Isso não acontecerá tendo como base as premissas da sociedade que temos hoje. A não ser que vocês reinventem seus produtos e mesmo a sua visão sobre o que é ser idoso atualmente”, sentencia. Hoje, não há seguro viagem para pessoas acima de 70 anos. “Dificilmente os idosos vão arcar com o risco de sofrer uma queda e perder o patrimônio acumulado ao longo da vida só para arcar com custos hospitalares no exterior”, argumenta Kalache.

Após sensibilizar a plateia, o estudioso no tema longevidade apresentou uma infinidade de argumentos que comprovam que ser amigo do idoso hoje é ajudar a construir uma sociedade de verdade no futuro. Ou seja, um lugar no qual as pessoas vivem com qualidade de vida, independentemente se elas são saudáveis e conseguem se manter atualizadas, como o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, que, aos 82 anos, esbanja saúde e continua trabalhando e pagando impostos. Ou se nasceram num lar exposto às mínimas condições sanitárias que lhe geraram doenças precoces crônicas. Essas poderão ser auxiliadas pela parcela da sociedade que teve a sorte de FHC ou mesmo a nossa, que estamos aqui trabalhando porque temos saúde. Nós somos responsáveis por ajudar a criar uma política de amparo financeiro aos que mais precisam, com produtos sociais e seguros privados adequados”, comenta.

No entanto, esse sonho coletivo só acontecerá se as pessoas mudarem a concepção que têm dos idosos. Cobrar caro de um cliente que tem hoje 50 anos é exclui-lo de um mercado que pode ser gigante em pouco tempo. O que temos hoje são produtos que geralmente excluem as pessoas com doenças crônicas, muitas das quais podem ser controladas com medicamentos baratos ou gratuitos, como é o caso da diabete, que permitem que o cidadão se mantenha ativo física, emocional e, consequentemente, profissionalmente. Outro problema citado é o descaso de muitos profissionais da saúde, que pouca atenção dão às queixas dos pacientes ou os submetem a cirurgias desnecessárias, que podem causar graves sequelas.

Reinventar um mercado que ainda tem um formato de início, como o de previdência, criado por Otto Von Bismack, há mais de 130 anos, é uma forma de ajudar a construir uma sociedade melhor. Para começar, é preciso mudar paradigmas. Os homens trabalham e se aposentam aos 60 anos. Só que naquela época, aos 50 anos, a pessoa já tinha perdido saúde, pois não tinha sequer uma aspirina para lidar com a dor. Hoje, não. Temos informações de sobra para chegar aos 80 com saúde, como a importância da prática de esporte, de alimentação saudável, um relacionamento mais equilibrado com trabalho e vida familiar, bem como uma medicina avançada, itens que elevam a expectativa de vida em muitos anos.

Oficialmente, temos a idade 76 anos no Brasil como parâmetro de expectativa de vida. Daqui a 20 anos, poderemos ganhar muito mais anos. “Em mesmo já ganhei quase 40 anos a mais na minha expectativa de vida desde o ano em que nasci”, revela Kalache. Ele propõe uma vida mais colorida, sugerindo regras de trabalho mais flexíveis para as mães cuidarem dos filhos e encontrarem mercado de trabalho após acompanharem o período mais crítico da infância; estímulos para os pais poderem exercer a paternidade, um ano sabático aos 45 anos para todos reinventarem a próxima metade da vida. Programas de mestrados custeados pelas empresas para que, aos 50 anos, seus funcionários possam se atualizar e continuarem contribuindo para que a empresa seja cada dia mais rentável. Para todas as fases da vida das pessoas, um seguro adequado que proteja a todos de eventualidades como um teto cair na cabeça ou das sequelas de um acidente de carro.

Para lidar com uma população que Kalache chama de Gerontolescência, é preciso qualidade e não só quantidade. Essa geração de 50 anos é fruto de uma época que revolucionou, mudou padrões, conseguiu a liberdade sexual, libertou as mulheres da função “do lar” para presidir empresas, tem dinheiro. “É uma geração que vira a mesa por seus direitos e que exige produtos condizentes com seu jeito de ser. Ele alerta que a adolescência dura geralmente seis anos. A Gerontolescência deve durar duas ou três décadas pelas previsões dos especialistas”, afirma.

Hoje, temos 23 milhões de idosos, o que representa 13% da população do Brasil. Em 2050, a expectativa é ter 64 milhões, ou 29% do total. A taxa de fecundidade está abaixo do nível de reposição. Ou seja, as famílias tem1,9 filho, o que significa que essa família acabará. Com apenas um filho, quem cuidará dos pais, possivelmente doentes e recursos financeiros insuficientes, como mostram as várias pesquisas sobre aposentadoria reveladas neste evento? O único filho? E quem vai trabalhar para girar a economia com o consumo, com o pagamento de impostos?

Tal constatação traz grandes desafios, principalmente com relação à necessidade de formação de cuidadores de idosos e renda para poder contratá-los. “Teremos um número de idosos superior à população de alguns países da América Latina, com exceção do México e Brasil”, evidencia, acrescentando: “Precisamos de políticas sociais e privadas que ajudem o Brasil a enriquecer antes de envelhecer, pois ser velho em um país pobre realmente está longe do sonho idealizado por vocês no início da palestra”.
Para o estudioso, o setor de seguros é um propulsor de conhecimento, de pesquisas e políticas baseadas em vivência. “Vocês todos podem ajudar a revolucionar o setor de seguros e a construir uma política social para o idoso. A revolução da longevidade não pode ser silenciosa”, finalizou Kalache.

Fonte: CNseg