Como o big data e a psicometria ajudaram Trump a vencer as eleições americanas?

A vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais americanas deixou muita gente perplexa. Com 70 anos de idade e pouca experiência digital, parecia, inicialmente, não ter a seu dispor todo o aparato tecnológico do qual Hillary dispunha e que já havia ajudado Obama a se eleger e se reeleger, com base em conceitos demográficos, listas de endereços e o trabalho de analistas de Big Data.

Mas o fato é que a tecnologia que ajudou a Obama já não era o que havia de mais moderno e eficiente, mas sim a que foi apresentada a Trump por seu mais íntimo conselheiro de campanha e atual estrategista-chefe da presidência, o dono de um site de extrema direita, Steve Bannon, também membro do conselho da Cambridge Analytica.

A Cambridge Analytica é uma empresa de marketing político que utiliza a psicometria - um sub-ramo da psicologia baseado em dados - para avaliar os traços psicológicos de eleitores utilizando cinco traços de personalidade, conhecidos como os “Cinco Grandes”: abertura (o quão aberto você está para novas experiências?), conscenciosidade (quão perfeccionista você é?), extroversão (quão sociável?), afabilidade (quão atencioso e cooperativo?) e neuroticidade (você se aborrece facilmente?). Com base nessas dimensões – conhecidas também como OCEAN (acrônimo para essas características, em inglês) – é possível identificar as necessidades e medos das pessoas e como elas tendem a se comportar.

Apesar de essa técnica ter surgido nos anos de 1980, ganhou força com o advento das redes sociais e do big data, já que, até então, a capacidade de avaliação de um grande número de pessoas era limitada. Assim, com base no que os usuários do Facebook curtem, compartilham e postam, é possível obter um perfil bastante preciso deles. Com base numa média de 68 “curtidas”, é possível descobrir a cor da pele de um usuário com 95% de probabilidade de acerto, sua orientação sexual (88%) e sua filiação no partido Democrata ou Republicano (85%), além de grau de Inteligência, filiação religiosa e também a frequência de uso de álcool, tabaco ou outras drogas.

Mas isso não é tudo. Com apenas dez curtidas no Facebook, o sistema é capaz de avaliar melhor uma pessoa que a média de seus colegas de trabalho. Setenta “curtidas” são suficientes para exceder o que um amigo da pessoa sabe sobre ela, 150 o que seus pais sabem, e 300 “curtidas”, o que seu parceiro sabe. Mais “curtidas” podem até mesmo superar aquilo que uma pessoa pensa saber sobre si mesma.

Mas a avaliação não se restringe a curtidas e compartilhamentos. O sensor de movimento de nossos celulares, por exemplo, revela o quão rapidamente nos movemos e quão longe viajamos (isso é correlacionado com instabilidade emocional). Nosso smartphone, enfim, é um vasto questionário psicológico que preenchemos constantemente, tanto consciente quanto inconscientemente.

E além de conseguir identificar com precisão os perfis psicológicos dos usuários do Facebook, o sistema também consegue encontrar aqueles com os perfis desejados, como pais ansiosos, pessoas introvertidas e raivosas, ou mesmo os democratas indecisos.

Em novembro de 2015, a empresa organizadora de uma das campanhas a favor do Brexit anunciou a contratação da Cambridge Analytica. Até aquele momento, a campanha digital de Trump consistia em apenas um site rudimentar desenvolvido por US$ 1.500, mas em junho de 2016, o milionário anunciou que havia contratado a Cambridge Analytica, fazendo o establishment de Washington torcer o nariz, sem reconhecer o perigo que se avizinhava.

De acordo com o britânico Ashburner Nix, CEO da Cambridge Analytica, a empresa compra dados pessoais de um conjunto de fontes diferentes, como registros de imóveis, dados automotivos, dados de compras, cartões de bônus, associação a clubes, entre outros, agregando esses dados com os registros eleitorais do partido Republicano e dados online para calcular um perfil Big Five de personalidade, chegando a pessoas reais, com medos, necessidades, interesses e endereços residenciais.

Feito isso, os eleitores classificados psicometricamente podem ser abordados de diferentes maneiras, com base, por exemplo, no direito à posse de armas. Para esses, em particular, a empresa desenvolveu um vídeo em que mostra, no lado esquerdo da tela, a mão de um intruso arrebentando uma janela e, no lado direito, um homem e uma criança em pé, num campo, ao por do sol, com ambos portando armas e atirando em patos.

A Cambridge Analytica dividiu a população dos EUA em 32 tipos de personalidade, focando em apenas 17 estados. A empresa descobriu, por exemplo, que a preferência por carros fabricados nos EUA era um grande indicador de um potencial eleitor de Trump.

No dia do terceiro debate presidencial entre Trump e Hillary, a equipe do candidato testou 175 mil variações diferentes de anúncios publicitários para seus argumentos, de modo a encontrar as versões mais certeiras via Facebook. Em sua maioria, as mensagens diferiam umas das outras por detalhes microscópicos, de modo a apontar para os destinatários com a melhor abordagem psicológica possível: diferentes títulos, cores, legendas, com uma foto ou vídeo.

No distrito de Little Haiti, em Miami, por exemplo, a campanha de Trump forneceu aos habitantes notícias sobre o fracasso da Fundação Clinton após o terremoto no Haiti, de modo a evitar que saíssem de casa para votar em Hillary.

Em julho de 2016, os cabos eleitorais de Trump receberam um aplicativo com o qual podiam identificar a visão política e tipo de personalidade dos habitantes de uma residência. Era o mesmo aplicativo usado pelos que fizeram a campanha do Brexit. As equipes de Trump simplesmente tocavam a campainha das casas que o aplicativo classificava como receptivos a suas mensagens. Os cabos eleitorais vinham preparados com orientação para conversas adaptadas ao tipo de personalidade do residente. Por sua vez, os cabos eleitorais alimentavam o aplicativo com as reações, e os novos dados voltavam para os painéis da campanha de Trump.

De acordo com Ashburner Nix, a publicidade abrangente tradicional está morta. “Meus filhos certamente não irão nunca, jamais entender esse conceito de comunicação de massa.”

Após a retumbante vitória do candidato de cabelos laranja, a Cambridge Analytica vem fazendo diversas conferências pela Europa, onde cresce o apoio da população aos partidos de extrema direita.

Com foco na França, Holanda e Alemanha, que terão este ano eleições com partidos populistas de direita com chances de vitória, como na França, Holanda, Grécia, Áustria, Dinamarca e Hungria, entre outros.

Fonte: CNseg | motherboard.vice.com