Angélica Carlini esclarece dúvidas sobre o Contrato de Seguro no Código Civil

Advogada, mestre em História Contemporânea e em Direito Civil, doutora em Educação e em Direito Político e Econômico, Angélica Carlini é militante em direito do seguro desde 1984 e docente do ensino superior desde 1988. Também é ex-presidente da Associação Internacional de Direito de Seguros (AIDA) e ex-diretora do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon).

Palestrante assídua em eventos do mercado segurador, a professora Angélica Carlini, em entrevista para o hotsite da Certificação Profissional CNseg, esclarece dúvidas em relação aos artigos do capítulo sobre o Contrato de Seguro no Código Civil, que faz parte do conteúdo programático para a terceira edição da prova que acontece em 19 de outubro e cujas inscrições vão até o dia 15 de setembro. Confira.

Art. 764. Salvo disposição especial, o fato de se não ter verificado o risco, em previsão do qual se faz o seguro, não exime o segurado de pagar o prêmio.

O que significa “não ter verificado o risco”? Que simplesmente o sinistro não ocorreu ou que se descobriu o objeto segurado não estava exposto a nenhum risco?

Esse artigo é a comprovação plena de que ninguém paga prêmio de seguro para receber indenização, mas para poder pertencer a uma mutualidade da qual, eventualmente, sairão recursos para pagamento de indenizações caso o risco coberto se materialize. Assim, se durante o período de vigência do contrato o risco não se materializar, ninguém poderá pedir a devolução do prêmio porque, a rigor, o prêmio pago foi acrescido ao fundo mutual e dele saíram os recursos necessários para o pagamento de muitas outras indenizações. A expressão “não ter se verificado o risco” se refere ao fato de durante a vigência do contrato de seguro o risco não ter se tornado um sinistro.

Art. 773. O segurador que, ao tempo do contrato, sabe estar passado o risco de que o segurado se pretende cobrir, e, não obstante, expede a apólice, pagará em dobro o prêmio estipulado.

Pode citar um exemplo de risco que foi “passado”?

O Código Civil brasileiro foi aprovado em 2002 e entrou em vigor em 2003, mas mesmo assim, existem alguns artigos que se referem a um momento em que as comunicações não eram tão rápidas como são agora. No passado, era possível que o segurador tivesse conhecimento de que o risco não existia mais e o segurado não soubesse disso, mas na atualidade isso é praticamente impossível. Por exemplo: o segurado deseja contratar seguro para a proteção de bens que se encontram guardados em um depósito de mercadorias, por temer que possam ser furtados, roubados ou perdidos em um incêndio. No entanto, a seguradora tem conhecimento de que aquele local já foi atingido por um incêndio e se encontra totalmente destruído e, mesmo assim, permite a contratação do seguro para depois de recebido o prêmio, negar o pagamento da indenização pelo fato do sinistro ter ocorrido antes da contratação. Evidentemente, se a seguradora agisse dessa forma teria faltado com a boa-fé, aspecto fundamental para todos os contratos de seguro. Mas na atualidade, com a facilidade de comunicação entre as partes, é impossível que o segurado não tenha informações completas sobre seu risco no momento da contratação da apólice.

Art. 792. Parágrafo único. Na falta das pessoas indicadas neste artigo, serão beneficiários os que provarem que a morte do segurado os privou dos meios necessários à subsistência.

Isso é comum? Como é a forma mais usual de se provar que a morte do segurado privou a pessoa dos meios necessários de subsistência? Isso valeria, eventualmente, para um funcionário do segurado?

Não é usual, mas também não é totalmente incomum. De fato, basta imaginarmos que o sobrinho possa comprovar que seus estudos e sua subsistência eram custeados pelo tio que faleceu; ou, que o filho da empregada do segurado possa comprovar que era sustentado pelo falecido, que lhe custeava estudos, alimentação, vestuário e transporte, por exemplo. Ou, ainda, que o segurado (a) tivesse um filho afetivo, criado por ele (a) apesar de não ter sido feita uma adoção legal. E tantas outras situações semelhantes, como a de um amigo ou amiga que durante um tempo precisa ser auxiliado porque está doente ou em más condições financeiras.

Art. 798. O beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso, observado o disposto no parágrafo único do artigo antecedente.

E se for provado que o segurado esperou, de propósito, o período de dois anos para se matar, a seguradora ainda assim tem que pagar?

Esse artigo do Código Civil já foi muito discutido mas, na atualidade, é pacífico que o prazo de dois anos deve ser inteiramente respeitado pelo segurado. Decorrido esse prazo, a seguradora estará obrigada ao pagamento do capital segurado em qualquer hipótese, salvo os casos de fraude. As razões que levam alguém a cometer suicídio não serão mais tema para ser discutido pela seguradora, após o decurso de prazo de 2 anos. Se ficar provado que o segurado esperou dois anos para se suicidar não haverá fraude, porque o prazo foi regularmente cumprido como determina a lei.

Art. 799. O segurador não pode eximir-se ao pagamento do seguro, ainda que da apólice conste a restrição, se a morte ou a incapacidade do segurado provier da utilização de meio de transporte mais arriscado, da prestação de serviço militar, da prática de esporte, ou de atos de humanidade em auxílio de outrem.

Existe algum limite para atividades arriscadas, ainda que sem intenção de morrer, que a seguradora poderia se negar a pagar a indenização?

Todas essas circunstâncias deverão ser compreendidas como seguradas se mantidos os níveis de normalidade de sua prática. Todas as vezes que a morte ou acidente pessoal do segurado for decorrente de prática muito mais arriscada, fora do normal, então se poderá discutir sobre os limites de aceitação, em defesa da mutualidade que fará o pagamento do valor do capital segurado. É de se destacar que os esportes radicais, por exemplo, são muito mais comuns na atualidade e praticados com alto índice de segurança. Também o transporte mais arriscado realizado em enduros ou provas de rally, também é legalizado e cercado de grande preocupação com segurança. Assim, os limites a serem observados deverão ser os do bom senso e da normalidade.

 

Fonte: CNseg