Indústria, comércio, portos e agronegócio de SC têm efeitos da greve dos caminhoneiros

Protesto de caminhoneiros em Antônio Carlos, na Grande Florianópolis, nesta quarta-feira
Foto: Marco Favero / Diário Catarinense

A greve dos caminhoneiros autônomos trouxe efeito em cadeia nos principais setores produtivos de Santa Catarina. A falta de distribuição de comida nos supermercados deve se intensificar, podendo faltar frutas, legumes e verduras ainda nesta quinta-feira. Além disso, o bloqueio da chegada da ração no campo acendeu o alerta para produtores e empresários, que precisaram suspender atividades. Confira a seguir a projeção dos principais setores econômicos de SC para os próximos dias, caso se confirme a tendência de a paralisação continuar.

INDÚSTRIA

Greve reforça ambiente de incerteza
Dificuldade em conseguir cumprir contratos de exportação, produção estocada nas próprias fábricas ou parada dentro de caminhões nos bloqueios das rodovias catarinenses. Essa é a realidade da maioria das indústrias catarinenses após o início da greve dos caminhoneiros autônomos. Ainda sem conseguir mensurar o custo do prejuízo no setor, o presidente da Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc), Glauco José Côrte, ressalta que, além dos prejuízos financeiros, a paralisação tira a credibilidade que o importador tem nas empresas catarinense:

— Para o importador é indiferente o que acontece no país. Ele quer receber os produtos no prazo acordado. De maneira geral, isso também impacta no mercado interno. As empresas não têm condições de escoar a produção e, se a greve continuar, vão acabar parando de produzir por falta de espaço nos estoques.

Conforme Côrte, outro ponto que poderá ser afetado pela paralisação do transporte terrestre é o setor público, que teria queda de receita e de arrecadação dos tributos, afetando o orçamento do Estado e dos municípios. Além disso, ele complementa, manifestações como essa ainda agravam o ambiente de incertezas políticas e econômicas, que já existia e ficou ainda mais em evidência ao longo de abril e maio

— O término da greve não significa que a economia vai reagir no momento seguinte. O processo de retomada de produção é muito mais lento do que o de parada. O governo não antecipou isso, não iniciou um processo de negociação com a categoria. O critério que a Petrobras adotou com o repasse diário de preço tira qualquer previsibilidade quanto ao preço dos fretes. Muitas vezes o combustível aumenta quando a carga já está no caminhão, e isso é um custo que não tem como ser ressarcido — analisa.

Por fim, Côrte acredita que o governo está sendo lento para negociar um acordo com os transportadores. A Fiesc ingressou com uma ação na Justiça Federal para tentar impedir o bloqueio de caminhões que transportam produtos de indústrias associadas para a entidade, especialmente cargas de produtos perecíveis, como carnes e leite, além de produtos essenciais, como remédios.

AGRONEGÓCIO

Aves, suínos e leite são os mais prejudicados
Ainda tentando contornar os efeitos do embargo da exportação de carnes, o agronegócio catarinense enfrenta mais um momento de dificuldades. Empresas e produtores foram forçados a suspender as atividades no fim desta semana para evitar o desperdício e também por causa do espaço para armazenamento.

A Cooperativa Central Aurora anunciou que, de hoje até amanhã, sete indústrias de aves e oito de suíno em quatro Estados, incluindo SC, estarão inoperantes. Em Santa Catarina, as unidades de aves e suínos afetadas são as de Chapecó, Guatambu, São Miguel do Oeste, Maravilha, Quilombo, Xaxim, Joaçaba e Abelardo Luz.

O mesmo ocorreu com a JBS, que paralisou ontem o abate de bois, frangos e porcos cinco Estados, incluindo SC - nas unidades de Ipumirim e Itapiranga, no Oeste. As atividades ficarão, a princípio, paradas até esta quinta-feira. Cerca de 1,2 mil funcionários devem ficar sem trabalhar.

Pela manhã de ontem, a BRF também suspendeu as operações em quatro unidades de abate de aves e suínos, entre elas a de Campos Novos. Outras nove unidades no país também terão as atividades parcial ou totalmente paralisadas, sendo as de SC em Chapecó, Concórdia e Herval do Oeste. Por nota, a empresa afirmou que a medida foi necessária diante da "falta considerável de abastecimento de ração", que já teria desabastecido a alimentação de "cerca de 1 milhão de animais, podendo alcançar a totalidade do plantel nos próximos dias".

Danos pelos próximos 90 dias em SC

Em Santa Catarina, apesar da situação critica, o presidente da Associação Catarinense de Avicultura (Acav), José Antônio Ribas Júnior, deixa claro que a instituição não é contrária ao movimento e que não faz nenhum julgamento ao setor. No entanto, pondera que os danos econômicos para o agronegócio são extensos e vão demorar para ser recuperados. Segundo o presidente, a partir do momento em que a greve for suspensa, levaria ainda 10 dias só para normalizar o processo de abastecimento de insumos no campo (alimento para aves, por exemplo), mas que os danos levarão ao menos 90 dias para serem revertidos.

— É um processo doloroso, estamos muito preocupados. Sem receber alimento, que são os grãos, isso pode significar a morte no campo para aves e suínos. Se isso acontecer por falta de ração, pode afetar a qualidade sanitária. É nocivo para a nossa imagem — afirma.

Assim como a avicultura e a suinocultura estão paralisadas, a indústria bovina e de produção de leite em SC também prevê paralisação até sexta-feira. Conforme o assessor de imprensa da Federação da Agricultura do Estado de Santa Catarina (Faesc), nenhuma produção de leite precisou ser descartada até então, e o que chegou à indústria está sendo processado. No entanto, se o transporte continuar suspenso, o leite ordenhado a partir desta quinta-feira ficará paralisado nos resfriadores, impedindo novas ordenhas.

Caso não haja transporte, aí sim os produtores podem correr o risco de descartar o leite. Em Pinhalzinho, uma das plantas da Aurora também paralisou a captação do produto. Neste setor, assim que os caminhoneiros voltarem a operar normalmente, o fluxo de retirada da matéria prima do campo pode ser restabelecido em até uma semana.

*Colaborou Darci Debona

SUPERMERCADOS

Abastecimento afetado em todas as regiões

Responsável por 85% do abastecimento na área de alimentação, higiene e limpeza, o setor supermercadista já sente os reflexos da greve dos caminhoneiros em Santa Catarina. Nesta quarta-feira, a oferta de frutas, verduras e legumes, produtos altamente perecíveis, nos principais mercados do Estado já era baixa. O presidente da Associação Catarinense de Supermercados (Acats), Paulo Cesar Lopes, estima que esses itens já possam estar em falta nesta quinta, caso a paralisação siga. Lopes explica que desde o início da paralisação os caminhões não conseguem deixar as centrais de abastecimentos (Ceasa) para conseguir fornecer esses alimentos aos mercados.

A grande preocupação é com a validade desses produtos, que podem chegar a nem ser consumidos. Também a partir de hoje o abastecimento de carnes in natura e lacticínios como nata, queijos e o próprio leite, pode ficar comprometido. Em cadeia, outros itens que podem ficar sem estoque são os congelados e até a água mineral, produtos que são repostos toda semana nos supermercados.

Mesmo que a greve fosse encerrada hoje, os lojistas ainda precisariam de dois a três dias para conseguir normalizar a oferta de mercadorias ao consumidor. Lopes explica ainda que as grandes redes, que têm mais de uma loja, enfrentam problemas também para deslocar produtos de centros de distribuição próprios para as lojas.

— Ouvi de associados que tentaram carregar caminhões e seguir por caminhos secundários que também foram barrados. Eles têm estoque, mas não conseguem chegar, isso é um universo de 1,3 mil associados. O prejuízo é em diversas formas, como nos caminhões de verduras. Apesar do frio, parte desses produtos já está comprometida. São itens abastecidos todos os dias, ou então de dois em dois dias — afirma.

Lopes ressalta que, apesar da possível escassez de mercadoria, o setor não é contrário ao movimento grevista dos caminhoneiros. Comenta ainda que até o momento não há nenhum relato de aumento ou alteração dos preços dos produtos ainda disponíveis, e que essa prática também não deve ocorrer, até porque nem o próprio fornecedor está conseguindo tirar os produtos dos centros de distribuição. Caso algum caso seja percebido, é necessário acionar os órgãos de fiscalização.

PORTOS

Rotina alterada nos portos

Os principais portos de Santa Catarina ainda não falam em prejuízo. No terceiro dia das paralisações, o principal efeito é a mudança na rotina, já que nenhum caminhão circula pelos terminais desde segunda-feira.

Até a tarde desta quarta-feira, apenas o porto de São Francisco do Sul, no Norte do Estado, estava recebendo algumas cargas e operando normalmente, conforme a assessoria de comunicação do terminal. 

Em Imbituba, na região Sul, o porto que costuma receber cerca de 400 caminhões por dia está sem operação desde segunda-feira. Por lá, a situação se agrava também pelas condições adversas do mar, que impedem a aproximação dos navios no cais. Apesar disso, o terminal portuário ainda não mensura os prejuízos financeiros, já que a maioria dos balanços são mensais. As principais cargas que passam por Imbituba são grãos e ainda não se fala sobre o perecimento das cargas.

A situação é parecida em Itajaí. No porto, até esta quarta-feira não havia consequências diretas, mas a preocupação é com o dano às cargas perecíveis, principalmente congelados, caso a greve se prolongue. No APM Terminals, também em Itajaí, conforme o setor de comunicação, não há perdas, apesar de não haver também nenhuma movimentação de caminhões. Por dia, o terminal costuma ter até 800 transações (entrada e saída de carga pesada), mas, como existem acordos de exportação, a carga acabará encontrando o fluxo e o que não embarcar nesta semana será embarcado na próxima ou quando a greve encerrar.

Em Itapoá, assim como nos demais portos catarinenses, nenhum caminhão chega aos terminais, mas as operações internas continuam na unidade. Em média, mil caminhões passam pelo porto diariamente.

Os manifestantes impedem a passagem de outros caminhoneiros na SC-416, que dá acesso ao local, e pedem que os motoristas parem na rodovia ou então permaneçam no local junto com eles. Uma fila de quase 200 caminhões se formou na manhã desta quarta-feira no trecho. O porto afirma que um navio foi carregado ontem, mas que as operações podem sofrer perdas a partir do quarto dia de paralisação, já que as mercadorias não chegam até os terminais.

Fonte: Diário Catarinense