Autoridade máxima de seguros na UE avalia Solvência II e conjuntura mundial

Autoridade máxima do mercado de seguros na zona do euro, o presidente da European Insurance and Occupational Pensions Authority (EIOPA), Gabriel Bernardino, classifica a Avaliação dos Próprios Riscos e da Solvência (Orsa, na sigla em inglês) como a espinha dorsal da Solvência II, o regime que visa a aumentar a solidez das seguradoras e, em consequência, a confiança dos consumidores. Em entrevista exclusiva ao portal da CNseg, concedida durante viagem de três dias ao País, em abril, ele explica também as razões de mais um adiamento do regime de Solvência II, agora para 2016, prevê avanço da concentração do setor, independente deste novo marco regulatório, e admite problemas para as reservas técnicas dos seguros de longo prazo, em virtude da temporada de juros baixos na União Europeia. Está convencido de que a Solvência II, uma vez implantada, contribuirá para reduzir os casos de falência em escala mundial e vê as multinacionais europeias mais dependentes dos mercados emergentes na busca de resultados operacionais. Confira a entrevista abaixo:


Gabriel Bernardino - Presidente da EIOPA

Por que o senhor costumar chamar o Orsa (* ) do coração da Solvência II?

O Orsa é um requisito que permite combinar os riscos (e a análise de riscos que a empresa deve fazer) com a estratégia de negócios da seguradora. Portanto, por meio das proposições do Orsa, a empresa acaba por fazer a projeção dos capitais necessários para executar sua estratégia. E isso se torna a primeira linha de defesa dos consumidores, já que, se houver uma boa análise dos capitais exigidos perante os riscos assumidos, a probabilidade de o segurador cumprir as obrigações assumidas é muito maior. Então, o Orsa é mesmo o coração da Solvência II.

Em razão da crise mundial, há fundos de pensão europeus em dificuldades para pagar benefícios. Isso porque ocorrer com as seguradoras da União Europeia?

Na área de fundos de pensão, cujo regulamento difere do das seguradoras, há algumas situações realmente sérias. Os primeiros sinais de dificuldades já são dados por fundos de pensão da Holanda. Não há milagres e será preciso dizer coisas que não são agradáveis aos ouvidos: ou o contribuinte aceita pagar mais daqui em diante ou terá de conviver com aposentadorias menores lá na frente. As seguradoras também podem ter problemas no atual quadro de juros baixos da zona do euro? Podem, já que todos os anos há seguradoras que ficam em dificuldades e até vão à falência em todo o mundo. Mas não acreditamos que um quadro, como o dos fundos de pensão, vá se repetir no mercado segurador, até porque a supervisão e a regulação baseada em riscos, como é a proposta da Solvência II, visam a ampliar a segurança do mercado e evitar situações extremas na nossa indústria. Então, com a Solvência II, estamos oferecendo mais segurança aos nossos consumidores.

Mas a vigência plena da Solvência II está sendo adiada mais uma vez... como serão os novos prazos?

Em relação ao regime da Solvência II, o processo legislativo europeu previa, inicialmente, a vigência integral de seus termos em janeiro de 2012. Entretanto, em virtude da crise mundial, houve necessidade de mais alguns testes da Solvência II. Então, apesar de a data atual na mesa de negociação ser 2014, é mais factível trabalhar com janeiro de 2016 para a implementação plena do normativo, até porque alguns de seus preceitos dependem de votação do Parlamento Europeu, de audiências públicas com o mercado, havendo ainda um período para a EIOPA regulamentar as propostas técnicas e dar orientações aos órgãos supervisores e estes vão precisar de algum tempo para fazer a adaptação para os mercados locais.

Há grandes dificuldades financeiras para as seguradoras cumprirem as regras da Solvência II na Europa?

Obviamente, quando da estreia de um novo marco regulatório, há grupos que estão bem capitalizados e outros que não para atender às exigências adicionais. Mas, na média, nossa avaliação é de que as empresas europeias estão bem capitalizadas e não haverá necessidade de aportes expressivos para cumprir as regras da Solvência II. Naturalmente, haverá casos de empresas que terão de elevar seus capitais porque estão em desacordo com os riscos assumidos.

O fantasma da concentração do mercado ainda acompanha a implantação da Solvência II?

Sejamos sinceros: o risco varia de mercado para mercado, mas a tendência é que, com ou sem Solvência II, haja maior concentração da indústria mundial de seguros. Mas a solvência II não será determinante para isso no mercado europeu. Além do mais, a concentração, se não for exagerada, deve ser vista como um processo racional, já que o mercado de seguros é de dimensão, e a Lei dos Grandes Números funciona estatisticamente bem na nossa indústria- quanto maior a base menor é a volatilidade experimentada pela empresa. Mas há espaço para todos na indústria de seguros.

Até para as pequenas e médias?

Claro que sim. As empresas pequenas e médias têm de apostar em especialização ou atuação regional, porque, tendo modelos internos adequados, podem atuar em pé de igualdade. A ideia de que a Solvência II destrói as pequenas e médias seguradoras é uma falácia.

Tanto na Europa como no Brasil há uma grande dificuldade do consumidor de entender o que é seguro...

Trata-se de um grande desafio para a indústria mundial de seguros e é uma questão de fato muito importante. Esta questão é realmente complexa e passa pela educação financeira do consumidor. Além de juros, ações e poupança, o consumidor precisa ser alertado sobre os conceitos de riscos. Há riscos quando ele dirige, dentro de sua casa e ele pode perder seus bens em um incêndio ou roubo. Tentar desde a juventude despertar a noção de riscos, então, deve constar de qualquer programa de educação financeira. É fato que a cultura do seguro precisa ser ampliada, até para que o consumidor tenha conhecimento do que está contratando. Ele precisa saber o que são riscos cobertos e riscos excluídos e conhecer a rentabilidade dos nossos produtos. Mas devemos ser cuidadosos, porque inundá-lo de informações também não dá o resultado esperado, já que não vai ler páginas e páginas dos contratos. As informações devem ser seletivas e qualificadas.

Como está o mercado de seguros na Europa neste ano?

Os seguros de property estão muito bem, com resultados bastante robustos e nível de solvência adequado. Na parte de vida, a questão das taxas de juros reduzidas preocupa, apesar do nível de solvência ainda ser confortável. Na verdade, o comportamento é muito diferente entre os países do bloco. Há aqueles que estão com forte queda, como Portugal e Espanha, por causa dos impactos mais severos da crise da zona do euro, e aqueles que apresentam reação, como a Itália. Mas na média o mercado de seguros da zona do euro cresce, mas um crescimento mais substancial só ocorrerá quando a economia do bloco se recuperar de fato.

Em mercados em crise, tradicionalmente aumentam as fraudes contra as seguradoras...

As fraudes estão abaixo do tradicionalmente esperado em um cenário de crise financeira, porque as seguradoras aperfeiçoaram seus mecanismos de controle nos últimos anos e estão agora mais bem preparadas para barrar os pedidos irregulares.

As seguradoras de grandes riscos europeias estão mais dependentes dos mercados externos?

A Europa concentra grandes seguradores e resseguradores. É normal, portanto, que busquem atuar em todos os continentes, para diversificar negócios, pulverizar seus riscos e ter melhores resultados. É uma típica ação de gestão. Esse movimento de internacionalização torna os grandes grupos menos dependentes do mercado europeu, e de fato faz que haja uma participação crescente, nos resultados globais desses grupos, da América Latina ou Ásia, cujas economias estão mais dinâmicas neste momento.

(*) O Orsa (Own Risk and Solvency Assessment- Avaliação dos Próprios Riscos e Solvência) integra as ações do Pilar 2 do regime de Solvência II, ao lado de outros requisitos qualitativos, como governança, incluindo-se aí mecanismos de gestão dos riscos, de controles internos, funções-chave). O ORSA é tido como o principal motor para a incorporação de Solvência II pela empresa, por exigir um olhar prospectivo das seguradoras dos próprios riscos e das suas implicações no centro da tomada de decisão. Ou seja, uma ferramenta de gestão para tomada de decisão e análise estratégica, destinada a avaliar continuamente o nível de solvência e os riscos específicos das seguradoras.

Fonte: CNseg