CNSeg entrevista: Maria Helena Darcy de Oliveira, Comitê de Relações do Consumo

CNSeg: A senhora acaba de receber a certificação da Internacional Ombudsman Association (IOA), maior associação internacional da profissão, tornando a primeira ombudsman brasileira e latinoamericana. A partir dessa autoridade que o título confere e na condição de presidente do Comitê de Relações do Consumo e membro da Comissão de Ouvidoria, como a senhora avalia as práticas de ouvidoria do mercado segurador brasileiro?Maria Helena Darcy de Oliveira: A certificação visa reconhecer as práticas de ouvidoria aderentes aos valores do Código de Ética e aos padrões de Boas Práticas da International Ombudsman Association. Atualmente, 36 Ouvidores organizacionais, em nível internacional, foram aprovados nos testes aplicados. Entendo que, com o fortalecimento do instituto da Ouvidoria no Brasil, mais Ouvidores irão se candidatar a certificação. Eu me tornei Ombudsman em 1998 e os 12 anos à frente da Ouvidoria da Icatu Seguros, juntamente com os cursos oferecidos pela IOA e por outras instituições, como Mediação e Gerenciamento de Conflitos , me habilitaram a tentar a Certificação.CNSeg: Poucos ouvidores, 36 em todo o mundo, foram certificados pela IOA. Fale um pouco desta entidade.Maria Helena: A IOA , criada em 2005, oferece cursos, em diversos países, para a formação de ouvidores organizacionais. A associação conta hoje com mais de 500 membros. Em 2009, a IOA criou o processo de certificação, por meio de prova e entrevista, para reconhecer e promover as boas práticas dos Ouvidores Organizacionais.CNSeg: Quais os méritos e os defeitos do modelo de Ouvidoria?Maria Helena: A Ouvidoria no Brasil é muito recente e, basicamente, voltada para clientes. Constitui-se como uma instância de recursos dentro da empresa, a qual os clientes podem recorrer quando outros níveis de negociação não obtiveram sucesso. Algumas empresas também possuem Ouvidorias Internas, voltadas para funcionários, e Ouvidorias para Fornecedores. Em 1998, por exemplo, quando inaugurei a Ouvidoria na Icatu Seguros, tínhamos poucas experiências. A mais conhecida era a de Vera Giangrande, na Ouvidoria do Grupo Pão de Açúcar. Nosso mercado tem características peculiares na relação de consumo: o cliente paga na frente e consome o produto no futuro! Essa relação se apoia na confiança. A Ouvidoria, no mercado segurador, se constitui na minha análise como o guardião da credibilidade. O cliente encontra na Ouvidoria a certeza de uma isenção de análise para que se cumpra o que foi contratado. Pela especificidade do mercado, o Ouvidor tem um olhar amplo e zela para que as companhias passem a ter uma relação próxima e simples com os clientes: comunicações fáceis de serem entendidas; transparência na explicação dos produtos; canais eficientes para reclamações; e solução de litígios. Essa, a meu ver, foi a chave do sucesso das Ouvidorias no mercado, iniciativa de 2004 do Conselho Nacional de Seguros Privados.CNSeg: Como a senhora avalia o atual estágio da relação do mercado com o consumidor?Maria Helena: O Código de Defesa do Consumidor está completando 20 anos e os que achavam que ele "não iria pegar", que era uma "americanice", devem rir de suas previsões. Os órgãos de defesa do consumidor se firmaram como canais eficientes para obter respostas em relação às reclamações dos consumidores. Nosso mercado já caminhou para estabelecer uma relação de mais equidade com o consumidor, mas ainda temos grandes desafios. As novas formas de distribuição de produtos de seguro exigem produtos simples, com informações claras, que uma pessoa leiga possa entender. E temos que nos preparar também para a exposição imediata que as redes sociais propiciam. Uma reclamação, ou uma sugestão, via twitter, por exemplo, tem uma repercussão imensa e temos que ser ágeis para tomarmos uma ação.CNSeg:O mercado prepara-se para avançar para o nicho de baixa renda, por meio do microsseguro. Que procedimentos no campo da relação do consumo serão necessários para que este novo consumidor vença as resistências e adquira seguros?Maria Helena: O desafio do microsseguro precisa ser enfrentado. Temos que reinventar nossa linguagem e nossos processos de forma a absorver os novos segmentos de clientes que serão incorporados. Queremos crescer como mercado, mas não podemos nos tornar campeões de reclamações. Temos, como indústria, que conseguir explicar nossos produtos de forma clara e simples. O microsseguro, sem dúvida, é um fator de proteção social para os menos favorecidos. O relatório do Banco Mundial sobre microsseguros cita que, "de todos os grupos socioeconômicos, os pobres são os mais vulneráveis a choques financeiros, e os menos protegidos".CNSeg:Na "I Conferência Interativa de Proteção do Consumidor de Seguros", realizada este ano, a CNSeg chamou para si a missão de criar um plano de ação de proteção do consumidor, que, entre outras medidas, inclui encaminhar ao mercado uma série de adaptações de suas práticas comerciais, como simplificação dos contratos, já que os termos usados não permitem a compra de seguros de maneira consciente, visto que a linguagem, excessivamente técnica e jurídica, confunde o segurado. O que deverá ocorrerá nos próximos meses?Maria Helena: A agenda que resultou da I Conferência interativa criou pautas para todos os interlocutores:- Seguradoras: resgate da boa fé nos Contratos, nas Comunicações, em todas as interações com clientes; expansão dos canais de manifestação dos clientes (twitter, blogs, chats);- Governo (órgão regulador e órgãos de defesa do consumidor): normas mais claras e mais estáveis; aproximar os clientes das seguradoras via Ouvidorias; fazer esforços na transformação do "segures" para português;- Federações (FenaPrevi , FenSeg, FenaCap e FenaSaúde): editar manuais de boas práticas; veicular campanhas de esclarecimento, a exemplo do que foi feito com o DPVAT; promover cursos de educação financeira para consumidores; promover treinamentos focados para jornalistas, Judiciário, de forma a disseminar a cultura do seguro;- Fenacor: valorizar a venda consultiva de acordo com o perfil do cliente; assegurar que os produtos são vendidos de acordo com os regulamentos e condições gerais explicando aos clientes as restrições e riscos excluídos;- Mídia: alinhamento dos consumidores por meio das colunas especializadas; criar espaços para informações relevantes do mercado que atinjam consumidores; alinhamento com o mercado de forma a divulgar normas, suas interpretações e impactos sobre os consumidores.Com normas mais estáveis, com o compromisso das seguradoras e corretores em adotar boas práticas, tendo o cliente como "valor", iremos avançar em direção a consumidores conscientes. Sem um projeto de educação financeira, nossa indústria não romperá a imagem da indústria das "letrinhas miúdas.Fonte: CNSeg