Especialistas cobram salto qualitativo nas relações de consumo

Um seminário promovido nesta segunda-feira pela "Coluna Defesa do Consumidor" (de O Globo) - "Ofertas do Bem e do Mal: a importância da informação nas relações do consumo"- mostra que, 22 anos após o advento do Código de Defesa do Consumidor, as empresas e os consumidores estão de lados opostos no entendimento da principal legislação que trata as relações de consumo. E o resultado disso é a judicialização dos conflitos.

O juiz Flávio Citro Vieira de Mello, do Juizado Especial Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, exibe em números a dimensão dramática do esforço para fazer o CDC funcionar de forma harmônica. Após lembrar que hoje há o extraordinário número de 87 milhões de processos de todos os tipos em tramitação nos tribunais brasileiros, segundo o CNJ, apenas no TJ do Rio os juízes cuidam de 1,8 milhão de ações, com 52% delas em movimentação no Juizado Especial Cível. E da parcela a cargo do Juizado do Rio, quase 97% envolvem conflitos na relação de consumo. "Esses números assustam a qualquer um. Na área do juizado especial do Rio, há a abertura de mil processos novos por mês em média, mas em agosto foram 1,8 mil. Isso representa um desafio para o Judiciário, de fazer cada vez mais com o mesmo quadro funcional”, afirmou.

Para ele, esses números mostram que o mercado segue para um lado, enquanto os consumidores para outro, exigindo da Justiça um papel importante na busca de reaproximação dos pares. Apesar do excessivo número de ações, ele reconhece que os Juizados precisam funcionar bem, satisfazendo as partes, sobretudo aqueles que reclamam um direito líquido e certo, pois, do contrário, os litigantes vão ser motivados a ingressar com ações nas varas cíveis da Justiça, sobrecarregando ainda mais o trabalho dos juízes.

Para impedir a migração de ações dos Juizados para a Justiça comum e pautar um comportamento mais razoável das empresas, Flávio Citro afirma que as sentenças precisam também oferecer uma “solução pedagógica” às empresas, com a fixação de valores mais elevados nas condenações. A criação do ranking das empresas mais acionadas na Justiça é outro mecanismo importante. Isso porque, no esforço de sair da lista negra, um grupo cada vez maior de empresas aceita participar de mutirões de conciliação da Justiça, com elevado número de acordos, hoje na faixa de 90% em alguns casos, segundo ele.

Para ele, o fato de o Top 30 (lista negra) da Justiça do Rio diferir do da coluna Defesa do Consumidor é um fato importante, já que mostra que o consumidor busca o melhor caminho para solucionar seu problema e, ao mesmo tempo, desmente a tese de que existe uma indústria de danos morais no País. “O consumidor só quer resolver seu problema e apenas parte para a Justiça quando considera que todas as suas ações para ter uma saída adequada foram infrutíferas. Ele não quer ganhar dinheiro”, assegura ele.

Também presentes ao seminário de o Globo, Juliana Pereira, titular da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) do Ministério da Justiça, e o Ricardo Morishita, da Fundação Getulio Vargas, cobraram um salto qualitativo nas relações de consumo. Para Juliana Pereira, as empresas, antes de aportarem recursos bilionários em campanhas publicitárias para “fazer acreditar em algo que não é real”, deveriam ser realmente transparentes, dizendo o que efetivamente seu serviço ou produto oferece. O consumidor só precisa saber o que é o serviço ou produto, para que serve e quanto custa, ensina ela.

E Ricardo Morishita cita os princípios da boa-fé, ao cobrar novos deveres de lealdade das empresas em relação a seus consumidores. “O dever de informar precisa ser dinâmico, não podendo ficar restrito até o ato da venda. Precisa ir além e aconselhar o consumidor deve ser um verbo novo conjugado pelas empresas nas suas relações de consumo. O exercício da boa-fé não é fácil, mas as empresas precisam se empenhar mais.”

Do encontro do Globo, participaram ainda Gustavo Marrone, da Febraban (ele falou do projeto de padronizar informações nos contratos de crédito), Veridiana Alimonti, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), que mostrou as dificuldades dos consumidores de comparar preços dos pacotes de telefonia e de tevê a cabo; e Flávio Banchi, da Câmara E-Net. A reunião ocorreu nas dependências da Escola de Magistratura do Rio e serviu para comemorar o lançamento do site Defesa do Consumidor do Globo, no domingo.

Fonte: Viver Seguro OnLine