Histórias de acidentes agravam medo de dirigir

Um dos fatores que mais contribuem para o surgimento ou agravamento do medo de dirigir está relacionado ao trauma com acidentes. Por trás da história de milhares de motoristas que guardam sua CNH na gaveta, há uma coincidência de relatos com ocorrência de violência no trânsito.

Há também aquela história de gente que tem “feras”, no melhor sentido, ou seja, gente que dirige muito bem na família, e sente certo constrangimento ou desconforto por não dirigir tão bem quanto seus parentes, pais, irmãos e maridos. E aí, travam mesmo. Os dois depoimentos concedidos ao OBSERVATÓRIO Nacional de Segurança Viária para a elaboração deste texto e relatados a seguir, reforçam essa defesa.

Eliane do Carmo Luciano, 34, profissional de Recursos Humanos em Campinas, tentou tirar sua primeira Carteira Nacional de Habilitação em 2005, mas depois de sofrer um acidente, quando o pai estava na direção e uma moto atingiu o veículo, parou o processo e viu surgir, ali, o pavor de dirigir. Ela conta que no acidente o motociclista entrou pela janela do carro e ela fraturou o pulso.

Passados seis anos, em 2011, retomou as aulas e conquistou sua Carteira, com muita tranquilidade. “Estava segura no dia da prova prática; mas, aos poucos o medo voltou”, contou.  Ela diz achar que herdou um pouco da ‘paúra’ pelo trânsito de sua mãe, que nunca deixava de afirmar que esse era um espaço muito perigoso. Por outro lado, seu irmão era proprietário de autoescola e seu pai, instrutor. Mas nunca se sentiu bem em dirigir com eles; pois eles eram muito bons. “A irmã também é uma grande motorista, dirige até caminhão. Isso de certa forma também pesava”, justificou.

Recentemente, ela comprou um carro – há cerca de um ano e meio; mas a coragem para ir às  ruas ainda é pequena. “Morro de medo das pessoas ‘baterem’ em mim”. Questionada se não pensa em buscar ajuda especializada, afinal já se foram mais de 10 anos desde o início do processo de aprendizado, ela afirma que ainda não se animou. “De vez em quando busco locais mais tranquilos, onde posso dirigir em velocidade mais baixa, pois aí fica mais fácil. Quando saio para dirigir, quero que a rua seja só minha”.

Outra história de trauma também é a justificativa da jornalista Marilia Varoni, 28 anos, para não se animar a dirigir. Ela atua na Câmara Municipal de Campinas e conta que aos 19 anos foi habilitada e comprou uma moto para realizar o trajeto de Monte Alegre do Sul a Serra Negra (SP). Sofreu dois acidentes naquela ocasião, um com fraturas no pulso – “Chegou a quebrar”, afirmou.

Junto com os acidentes, outros fatores também agravaram a fobia de dirigir. Ela mudou para Campinas, vendeu a moto, e o pai, que era taxista, não deixava ela pegar o carro. Nesta época, Marília começou a trabalhar com trânsito. “Foi neste momento, que tudo ficou pior, porque ao ver tantos acidentes e atropelamentos e ter que lidar com aquilo todos os dias, meu temor aumentou”.

Por outro lado, ela afirma que passou a buscar alternativas de deslocamentos e, como elas são muitas (táxi, transporte coletivo, mais recentemente, o uber) , acabou desistindo de dirigir.

A jornalista é mesmo categórica: não pretende buscar ajuda e depois de 11 anos com a CNH, só vai usá-la na prática se acontecer algo muito grave e impositivo. “Acho mesmo que só um susto me fará pegar na direção novamente. Sempre digo, peça pra mim qualquer coisa, menos que eu dirija”.

Medo em família

Três mulheres de uma mesma família e o mesmo pavor: estar no comando do carro. A mais jovem, Alessandra Emília Beraldo Esmirelli, 28 anos, fisioterapeuta em Paulínia, tem sua CNH há 10 anos, mas dirigir, pra ela, ainda não é rotina. “Fico na dependência do meu marido para os deslocamentos e cheguei a um extremo, pois preciso vencer esse desafio já que nossos horários nem sempre são compatíveis”.

Alessandra relata que conquistar a habilitação foi bem fácil. “Fui e conclui o processo com tranquilidade e na euforia. Passado algum tempo, o medo foi aparecendo, sobretudo de  veículos maiores como ônibus e caminhões”. E foi desanimando. Ela conta que o medo era maior do que a necessidade de dirigir – “e ainda é”; confessa.

Alessandra afirma, portanto, que é muito incentivada a vencer esse pânico pelo marido e pela tia, e que acredita que vai superá-lo; afinal tem como exemplo  bem-sucedido a própria tia, que passou a dirigir após contar com ajuda especializada.

A tia é a professora aposentada, Maria Claudete Beraldo, 50 anos, também moradora de Paulínia, que já morria de medo de dirigir antes mesmo de ser habilitada; mas tirou sua primeira habilitação aos 19 anos. Foram anos sem ter coragem de sair na rua com o carro próprio. Ela conta que batia a insegurança e que não sabe explicar ao certo a razão. “Não sei muito bem de onde veio esse temor, associo ao receio do desconhecido de ter que enfrentar situações que eu não posso controlar – muita movimentação, ruas apertadas para estacionar; e também a certo ‘machismo’”, justificou.

A professora comenta que desde criança o pai dizia que mulher não precisava dirigir; não havia qualquer incentivo. “Fiquei muito tempo sem me encorajar até que encontrei ajuda especializada, numa clínica onde tinha apoio psicológico (terapia no consultório e companhia de uma instrutora nas ruas, ou seja, em aulas práticas)”.

Com apoio, Maria Claudete venceu a fobia. Comecei a sair com o carro e até passei por um pequeno acidente, pois uma pessoa bateu em meu carro. “Na hora, todo o temor voltou, mas não me deixei vencer pelo susto”.

A professora incentiva os medrosos. “Todos podemos conseguir, temos capacidade, inteligência e precisamos só de uma dose de cuidado para vencer esse desafio”. Ela defende que a ajuda especializada foi crucial no seu caso. “Percebi que tinha medo de ter o controle das coisas, a terapia me trouxe o resultado que eu sonhava na direção e também na natação, pois venci os dois medos de uma única vez”.

Se por um lado o exemplo da professora tem impacto – frente a tantas histórias de desistência –  já que influencia positivamente a  sobrinha, Alessandra; o efeito não é o mesmo para a prima Zuleica Aparecida Francelino do Prado Beraldo, 54 – a terceira mulher da mesma família que já tremou ao virar a chave do carro.

“O medo de dirigir me venceu, não quero mais saber. Confesso que não dirigir é um grande transtorno pela dependência que tenho que enfrentar; mas no trânsito tenho pânico até de ser passageira”, disse ao OBSERVATÓRIO.

Zuleica acredita que o seu medo já teve início no processo da habilitação; ela foi habilitada com 34 anos e 20 anos depois, conta que aquela descarga de adrenalina, suor e tremor são seus companheiros ao volante. “O meu trauma não tem muito a ver com o trânsito, mas com um veículo de resgate que atendeu meu irmão que foi morto. A partir daí, a fobia com o trânsito só cresceu”.

Funcionária pública aposentada, Zuleica diz que tem todo tipo de incentivo para encarar a batalha, mas que se sente totalmente bloqueada para mudar essa condição. Outro fator que ela acredita pesar muito nesse desafio é o fato de ter se habilitado aos 34 anos. “Acredito que se tivesse passado por tudo isso mais jovem teria menos noção do perigo e enfrentaria melhor a situação”.

Quando a afinidade não existe

Muitas vezes, não dirigir está simplesmente associado ao fato de não gostar – afinal, tem gente que desenvolve aversão ao volante. Valda De Marchi, 78, é um exemplo disso. Em toda a sua vida como motorista, já que sua primeira habilitação é de 1978 – há mais de 40 anos, ela lembra que só teve prazer na direção duas ou três vezes, quando levava os filhos de um bairro ao outro e num episódio, à noite, quando saiu de carro para uma reunião. “Já não tinha o hábito de sair pra longe com o carro e bastou o meu filho completar 18 anos para eu engavetar de vez a habilitação; pois ele assumiu meus deslocamentos”.

Ela conta que só renovou sua CNH uma vez, quando estava por volta dos 45 anos e nunca sentiu a menor falta, argumentou.

Valda comenta que nunca pensou em comprar um carro. “Eu desisti mesmo fácil”. Ela esclarece que por morar sempre perto do trabalho, não teve que enfrentar problemas para se deslocar. Outro fato, que ela destaca, é que seu lado crítico, em excesso, pesou sobre o aprendizado. “A busca pelo perfeccionismo sempre atrapalha e nos impende de enfrentar algumas situações. Hoje, tenho certeza que não vou mais dirigir, pois o trânsito está mais caótico e não me atrevo. Carro, nem pensar; e dirigir pra mim tem tudo a ver com gostar, o que não é o meu caso. Aí impera mesmo a insegurança”, completa.

Pionerismo na direção de um carro é de uma mulher

Encontrar um homem que manifestasse o medo de dirigir foi tarefa quase impossível para essa matéria. Quando procuramos pessoas que quisessem relatar suas histórias, o pedido foi respondido prontamente por inúmeras mulheres; mas somente dois homens assumiram o medo e logo declinaram de compartilhar suas experiências, sem uma explicação mais contundente.

Ao longo da história, parece que os homens sempre tiveram mais domínio ao volante e uma proximidade enorme com o mundo sobre rodas –aqueles que estão mais para a exceção, preferem o silêncio.

Vale, lembrar , no entanto, que o feito de dirigir o primeiro carro é atribuído a uma mulher. A alemã Bertha Benz em 1885, esposa do fundador da Mercedes-Benz fez a primeira viagem de carro da história, percorrendo cerca de 100 km para visitar sua mãe. O carro parecia mais com um triciclo e foi mais uma engenhoca elaborada pelo marido e testada por ela, à revelia do esposo. Com sua viagem, ela contribui para que o marido desenvolvesse também o primeiro sistema de freios de um automóvel. Coragem não faltou à Bertha, que pode ser uma inspiração para todas as pessoas que ainda não venceram o medo de assumir o volante, sejam homens ou mulheres.

Agenda Positiva de Outubro destaca o tema

Com inúmeras dicas, a Agenda Positiva abordou o tema “Medo de dirigir”, neste mês de outubro. A proposta do OBSERVATÓRIO foi reunir orientações para contribuir com todos aqueles que buscam vencer esse desafio. A relevância do tema é comprovada pelas inúmeras personagens que se manifestam nesta condição.

Entre as sugestões para esse público, o OBSERVATÓRIO ressaltou:

  • A necessidade de ampliar a prática cotidiana, pois só o hábito vai contribuir para dar mais confiança ao volante;
  • Desenvolver um senso de segurança. Para isso, basta lembrar que todo motorista habilitado passou por um processo de aprendizado e tem condições/capacidade para transitar com segurança.
  • Não dirigir com excesso de confiança, uma vez que a confiança na medida certa evita acidentes. O ideal é ficar atento aos seus procedimentos e aos outros que circularem nas vias.
  • Se mesmo praticando sentir que o problema é a falta de conhecimento seguro das técnicas de direção, por nervosismo ou esquecimento do que aprendeu nas aulas que fez para obter a habilitação, procure fazer um segundo curso. Isso é possível em algumas autoescolas.
  • Procurar ajuda especializada. Se o medo persistir, procure um psicólogo. Com atendimento especializado você poderá tratar e superar síndrome do pânico, excesso de ansiedade, traumas do passado ou algum outro motivo que provocam medo de dirigir.

O OBSERVATÓRIO disponibiliza em seu site e no site do Maio Amarelo boletins de rádios e até um vídeo sobre esse tema. Acompanhe! Eles podem te ajudar.

Fonte: ONSV - Observatório Nacional de Segurança Viária