"O Brasil é o mercado natural da Mapfre Re"

Ao discursar na cerimônia de inauguração do escritório da Mapfre Re do Brasil, o português Pedro de Macedo, diretor executivo global da resseguradora do grupo espanhol, prometeu falar "em português brasileiro" aos executivos do mercado ressegurador do País presentes ao evento, realizado neste mês. Não cumpriu. Misturou o sotaque lisboeta com expressões em espanhol absorvidas em vários anos de trabalho em Madri, mas o recado que passou não poderia ser mais claro: "Temos um grande cardápio de produtos e acreditamos no Brasil, que é o nosso mercado natural." Em entrevista exclusiva à Gazeta Mercantil, Macedo também explicou que a postura conservadora e o foco no resseguro tradicional justificaram a taxa de expansão de dois dígitos da Mapfre Re em várias linhas do balanço e a alta classificação de rating em 2008, enquanto grandes resseguradores internacionais registraram prejuízos e tiveram notas de risco rebaixadas. O nível de conservadorismo chegou ao limite e levou a companhia a virar as costas para certos riscos nos Estados Unidos. "Não nos metemos em certas classes de negócio porque são contra nossos princípios empresariais", afirmou Macedo. Gazeta Mercantil - Entre os grandes resseguradores globais, a Mapfre Re figura entre as poucas que fecharam 2008 no azul. Qual a receita? Tivemos o melhor desempenho da nossa história no ano passado. Fizemos € 1,8 bilhão em prêmios, € 148 milhões de resultado antes de impostos e conseguimos fechar o ano com crescimento dos fundos próprios (reservas), embora afetados pela crise. A receita é ser claro na política de subscrição. Não diversificamos para áreas que podem causar problemas - por exemplo: não fomos afetados por hipotecas contatadas no passado. A diversificação tem que ser positiva, porque em vez de melhorar pode piorar. Gazeta Mercantil - A receita é ser conservador em tempos de incertezas? Na área financeira, a renda variável representa menos de 5% da carteira de investimentos da Mapfre Re, não temos qualquer exposição ao subprime. Alguns analistas nos classificam como demasiados conservadores em subscrição e investimento, eu considero que somos profissionais. Nossa matéria-prima é risco, não podemos cobrir riscos que não podemos controlar. Portanto, preferimos ficar em títulos de renda fixa, com rentabilidade inferior, mas mais seguros diante da volatilidade atual dos mercados. Gazeta Mercantil - Com base nessa postura, a companhia deixou de fazer determinados negócios? Somos um ressegurador focado em negócios de cauda curta (short-tail), como incêndio, terremoto, sinistros que demoram pouco tempo para serem regularizados, mas que no fim você sabe exatamente quanto perdeu e quanto ganhou. Portanto, fugimos de certos riscos. Nos Estados Unidos, não fizemos responsabilidade civil nem entramos em produtos mais sofisticados da área financeira. Fazemos muito resseguro tradicional - não entramos em fórmulas de indexação ou emissão de títulos financeiro para cobrir riscos. Nossa base de clientes vem da cadeia tradicional do seguro, com relações diretas com o corretor. Não tratamos o resseguro como uma commodity, procuramos trabalhar com visão de longo prazo. Gazeta Mercantil - Vocês fugiram dos EUA porque estavam pressentindo alguma eventual catástrofe? Nossa participação nos EUA sempre foi pequena. Nunca quisemos entrar, por definição nós não nos metemos em certas classes de negócio porque são contra nossos princípios empresariais. Um exemplo nos EUA são os negócios de cauda longa (long-tail, quando o sinistro se manifesta muito tempo depois da subscrição, como nos ramos vida, saúde trabalhista e responsabilidade civil). Gazeta Mercantil - Como a companhia está posicionada nos EUA? Cerca de 8% da produção do grupo vêm dos EUA e do Canadá. Numa fase inicial estávamos subscrevendo riscos direto de Madri, depois compramos uma resseguradora em Nova Jersey, mas não fazia sentido colocar a dimensão da carteira que temos para entrar com força nos EUA. Então o que fizemos foi fechar essa resseguradora e agora estamos trabalhando através de um trust fund que temos constituído em Nova York para garantir as subscrições que são feitas desde Madri. A equipe de Nova Jersey visita os clientes e vende os serviço que oferecemos nos EUA, que vem da Espanha e não de uma resseguradora local. Gazeta Mercantil - E as outras regiões? Na Europa, o resseguro tem diminuído nos últimos anos, principalmente porque as seguradoras ganharam cada vez mais dimensão e aumentaram sua capacidade de retenção. Por outra lado, houve a consolidação do resseguro por parte das companhias internacionais, que começaram a concentrar mercado e a compra de resseguro diminuiu principalmente por parte de grandes entidades. Isso parou um pouco agora com a crise financeira, já que há falta de liquidez no mercado e necessidade grande de fundos próprios, portanto há uma tendência de recomeçar a compra de resseguro como alternativa à aquisição de capital. A Mapfre está crescendo porque registra expansão praticamente em todos os mercados. Na Europa, 10% dos negócios vêm de Portugal e Espanha e 43% do restante. Nossa carteira na América Latina responde por 25%, e a região que chamamos triple A - Austrália, África e Ásia - tem um grande crescimento, fundamentalmente no Japão, na Austrália e agora estamos começando na China. Gazeta Mercantil - Há conflitos para fechar contratos de resseguro com seguradoras concorrentes? Não, grande parte provém de companhias cedentes concorrentes da Mapfre. Conseguimos separar completamente as atividades. Na América Latina é a mesma coisa, estamos praticamente em todos os mercados em seguro e resseguro. E a outra parte da atividade que temos, de um terço da nosso faturamento é o resseguro do próprio grupo. Gazeta Mercantil - O que esperar do mercado brasileiro de resseguro? Primeiro, eu acho que a América Latina não está sofrendo a crise econômica como os EUA e a Europa. Acabo de vir da Argentina e no Brasil não vi grandes efeitos. A crise vai chegar, mas vai afetar menos, principalmente por conta do mercado de commodities - todo o mundo vai seguir comprando -, e os mercados financeiros e os bancos no Brasil e na região também sofreram menos. Do ponto de vista do resseguro, o Brasil é a nossa grande aposta. Nós abrimos um escritório aqui em 1996 esperando a abertura do mercado, que não veio, mas ficamos esperando, porque desde o início consideramos o Brasil o nosso mercado natural. O País tem muito potencial, principalmente com o crescimento da classe média e do bem-estar da população. Nós vamos acompanhar esse potencial. Fonte: Gazeta Mercantil