Uma Constituição para a internet

Espécie de “Constituição” da rede, o Marco Civil da Internet tramita há dois anos na Câmara. Engavetado pelas divergências entre governo, empresas de telecomunicações e gigantes do mundo virtual, o projeto ressurgiu com a denúncia de espionagem baseada em documentos vazados pelo ex-analista da Agência de Segurança Nacional americana (NSA, em inglês) Edward Snowden. O cenário conturbado torna imprevisível o desfecho da votação.

Com o pedido de urgência da presidente Dilma Rousseff, provável vítima da vigilância ianque, a partir de hoje o projeto do marco (PL 2126/2011) tranca a pauta da Câmara. O que não significa que será votado amanhã, na retomada das sessões. Antes de levar o texto a plenário, é preciso costurar o acordo entre os partidos, negociação que dará maior relevância à discussão da segurança dos dados dos milhões de internautas brasileiros.

– Ficou claro que o Brasil não está preparado para coibir a espionagem – critica o deputado Eduardo Azeredo (PSDB-MG), ex-analista da IBM e ex-presidente do Serviço Federal de Processamentos de Dados (Serpro).

Na tentativa de reforçar a segurança, a presidente Dilma defende o armazenamento no país dos dados dos brasileiros. A proposta desagrada gigantes como Google e Facebook, que teriam de investir em novos data centers.

– As teles reclamam que o projeto limita o modelo de negócio, mas é papel do Congresso defender o internauta. O modelo de negócio se adapta ao bem do usuário – defende o deputado Alessandro Molon (PT-RJ), relator do marco civil.

Já o líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), apontado como “patrono” dos interesses das teles, negocia com os colegas para derrubar a neutralidade do texto.

– Não vejo o problema em pacotes diferenciados. Quem só usa e-mail, por exemplo, paga menos. Por que comprar uma Ferrari quando um Fusca resolve?

Ministro das Comunicações e um dos articuladores do Marco Civil da Internet, Paulo Bernardo confia na aprovação do projeto:

– Julgamos importantes os conceitos contidos no Marco Civil, especialmente o artigo que estabelece que a rede de internet seja neutra, ou seja, sem discriminação de tráfego por causa do conteúdo. Também queremos promover o armazenamento dos dados originados da internet no Brasil. Isso possibilitará o desenvolvimento de um novo setor, de Big Data, além de assegurar a soberania nacional e o cumprimento da nossa legislação pelas empresas que atuam com internet.

Exigências atrasariam ou impediriam o lançamento de produtos no Brasil

Na quinta-feira, o diretor de Políticas Públicas do Google, Marcel Leonardi, afirmou durante o evento Futurecom, no Rio de Janeiro, que exigir de empresas que operam no Brasil a instalação de data centers em solo nacional atrasaria ou impediria o lançamento de produtos da companhia no país.

– Vai ser um problema para empresas menores, que vão ter um aumento de custo. A dificuldade é grande para identificar o que é dado brasileiro. É quem se declara brasileiro? É quem passa por aqui em viagem? É um IP brasileiro? Na oferta de novos serviços e funcionalidades, o Brasil entraria no fim da lista. Outra coisa: fica um alvo claro para ataques. Os dados hoje são fracionados. Esse nível de exigência não existe em nenhum outro lugar. E também, nada contra a estrutura brasileira, mas não sei se está preparada para segurar – afirmou. (Colaborou Itamar Melo)


Fonte: Jornal de Santa Catarina