O X da questão! - A nova faixa de pedestres paulistana

Foi inaugurada no último dia 8 de dezembro na capital paulista um novo conceito de sinalização de solo, a faixa de pedestres diagonal. Destaque nos principais noticiários de todo país, o novo modelo de sinalização promete diminuir a distância e o tempo de travessia dos pedestres aumentando sua segurança. Só que não! E por vários motivos.

A sinalização viária deve ser entendida, encarada e executada pelas autoridades competentes como ela deve ser de fato: um dispositivo técnico de engenharia que tem seus critérios de utilização fundamentados em uma legislação válida em todo território nacional. Apesar de ser uma ferramenta que contribui para evolução cultural da sociedade, assim como todas as regras de trânsito que têm como objetivo melhorar o respeito e a convivência nas relações humanas, a sinalização não pode ser considerada uma obra de arte, ou seja, a criatividade tem pouco espaço nesse ramo.

Há de se abrir um parêntese antes de destacar alguns itens que devem - mas não foram - ser observados nesse assunto. Somos a favor de todas as iniciativas que visam melhorar a segurança viária e promover a redução nos índices de acidentes, isso é fato! O problema é agir de forma descuidada e obter o efeito reverso, criando culturas de insegurança ou falsa segurança.

Pois bem, o primeiro ponto de atenção foi a importação de um conceito de sucesso adotado no exterior, mais especificamente no bairro de Shibuya, em Tóquio, Japão. Na capital nipônica existe um cruzamento onde o fluxo de pedestres supera a capacidade do passeio público, sendo que cerca de quatro milhões de pessoas circulam por ali diariamente. Lá funcionou porque as condições técnicas são favoráveis e exigiam uma solução diferenciada, a legislação permite e o nível cultural do cidadão japonês é adequado para tal solução. Fica claro que a solução japonesa surgiu diante de uma demanda de tráfego que afetava à capacidade da via, diferente do caso paulistano onde o objetivo é "dar comodidade" aos pedestres.

Ainda comparando as soluções, a faixa japonesa é contínua pois vai de uma diagonal a outra sem interrupções. Em São Paulo isso não acontece pois foram criadas duas faixas diagonais que se cruzam, ou seja, no ponto mais vulnerável do cruzamento foi criada uma solução de conflito que pode ocasionar colisões entre os próprios pedestres que transitam pelos fluxos que se cruzam. Essas colisões, mais conhecidas como esbarrões ou encontrões, não são consideradas pelos técnicos como acidentes pois não envolvem veículos (deveriam ser!), mas são igualmente perigosos! Imagine um officeboy apressado (sim, ainda existem!) que por um descuido dele (ou ineficiência da sinalização) esbarra sem querer em uma idosa e ela vai ao chão… pronto! Os quatro segundos de tempo de verde não serão suficientes para que a situação se resolva e teremos uma senhora estendida no ponto mais vulnerável do cruzamento, e o fluxo veicular sendo liberado em cima dela.

Sempre é bom lembrar que a convivência entre os usuários, neste caso pedestres e motoristas, é muito diferente nos dois países. Segundo o Global Status Report on Road Safety 2013, o Japão apresenta um índice de 5,2 mortos/100.000 habitantes, contra os 22,5 apresentados no Brasil. Isto posto, discorrer sobre as diferenças culturais é desnecessário!

Em se tratando das questões culturais, o que buscamos incentivar na sociedade brasileira é a percepção individual de riscos, ou seja, cada cidadão deve ter condição de identificar situações perigosas e saber reagir de forma adequada diante delas. Isso significa que os responsáveis pela gestão do trânsito no país devem criar ambientes favoráveis para o aprendizado, primando por sinalizações que tenham fundamento pedagógico e atendam aos princípios legais estabelecidos na legislação: 1. Legalidade; 2. Suficiência; 3. Padronização; 4. Clareza; 5. Precisão e confiabilidade; 6. Visibilidade e legibilidade; 7. Manutenção e conservação. À exceção dos dois últimos, que são afetos à manutenção e conservação, todos os outros princípios legais foram deixados de lado tornando a sinalização além de pouco eficiente, confusa e ilegal!

A utilização da cor azul que, aparentemente foi utilizada para destacar a sinalização, foi entendida por alguns usuários como sendo algo privativo para as pessoas com deficiência. Não podia ser diferente pois a Resolução 236/07 do Conselho Nacional de Trânsito reza que a sinalização azul DEVE ser utilizada somente para "inscrever símbolo em áreas especiais de estacionamento ou de parada para embarque e desembarque para pessoas portadoras de deficiência física". É o que diz a lei!

A mesma Resolução determina que as faixas de pedestres localizadas em cruzamentos devem estar demarcadas a no mínimo 1 metro do alinhamento da via transversal. No caso paulistano ela está exatamente na bissetriz da esquina, ou seja, no ponto médio da curva contrariando totalmente o que determina a legislação.

Outra inovação é como foram distribuídos os tempos de travessia gerenciados pelo semáforo, o que também está gerando risco. Foram adotados cinco segundos de verde e 18 segundos de vermelho piscante para o fluxo de pedestres, ou seja, a própria sinalização semafórica já passa o recado: corra, pois não vai dar tempo! Idosos e pessoas com mobilidade reduzida não foram contemplados na solução! Mas entre os vários equívocos técnicos na implantação da nova faixa de pedestres paulistana, o mais grave é conceitual: sobrepor a lei do menor esforço sobre a segurança dos pedestres.

Estão tentando vender o conceito de que a distância e o tempo de travessia foram reduzidos. Isso não é fato! Na versão original, o pedestre que pretendia atravessar de uma diagonal a outra precisava fazer isso em duas etapas, atravessando os 14 metros da Rua Cristóvão Colombo e depois os sete metros da Rua Riachuelo, totalizando 21 metros de travessia. A distância de travessia em diagonal é de cerca de 20 metros, ou seja, não há diferença relevante.

Mas onde está o ganho? Segundo os técnicos da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) de SP, está no tempo de travessia! Não! Se a distância é a mesma, o tempo de travessia é o mesmo! Não existe mágica! A diferença é que na versão original o pedestre percorria a mesma distância, no mesmo tempo, e tinha um porto seguro (a calçada) entre um trecho e outro, mas "pagava" 20 segundos de sua vida para ter essa segurança. Agora, se joga no meio do cruzamento e torce para dar tempo de concluir a travessia!

Além disso, se não bastasse todos esses equívocos, sabemos que tudo o que acontece em São Paulo em matéria de trânsito, costuma ser replicado pelo Brasil afora sem a menor distinção, ou seja, isso pode se espalhar como um conceito por todo o país. Ainda mais com a notícia de que outros cruzamentos da maior cidade da América Latina vão receber o mesmo tratamento!

E a opinião pública? Os usuários aprovaram! Lógico! Assim como aprovarão o desligamento dos radares e a aposentadoria dos agentes de trânsito. Nosso nível cultural ainda não nos permite viver sem regras e monitoramento, então tudo aquilo que vem para facilitar, independente se esteja certo ou errado, seguro ou inseguro, é prontamente aceito.

Permitir esse tipo de experiência é muito perigoso para um assunto técnico e sério. Incentivar a cultura do menor esforço em detrimento da segurança viária é um retrocesso cultural. Assim, como vamos ensinar nossas crianças de que é mais seguro atravessar pela passarela e não sob ela?

E de novo: somos favoráveis às soluções que visam melhorar a segurança de todos, como foi realizado pela CET quando passou a dar prioridade ao pedestre no centro da capital e conseguiu reduzir do número de atropelamentos em 44% nos dois anos do Programa de Proteção ao Pedestre.

Acreditamos na inovação como forma de melhorar a vida das pessoas, mas isso não pode ser feito de forma laboratorial, fazendo bonito aos olhos da população, sem avaliar todos os riscos.

Vida longa à engenharia de tráfego!

Eng. Paulo Guimarães

Responsável pelo setor de Pesquisa & Desenvolvimento do Observatório Nacional de Segurança Viária

Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos seus autores, não representando portanto a opinião desta organização.

Fonte: Observatório