Por que ninguém quer duplicar?

 São 15,4 quilômetros de rodovia a serem duplicados, com recursos milionários garantidos pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), à espera de uma empreiteira para assumir a obra. Foi remarcada para o dia 19 de fevereiro a sessão pública para escolher a responsável por duplicar o lote 4 da BR-470, entre Blumenau e Indaial. Na sessão promovida na manhã de ontem pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), em Florianópolis, nenhuma empresa compareceu. Bem diferente da sessão do dia 23 de novembro do ano passado, quando 15 empresas e consórcios se interessaram em disputar o lote 3, referente às obras entre Gaspar e Blumenau.


A licitação do lote 4 foi aberta dia 30 de novembro pelo Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), usado para acelerar o processo de obras da Copa do Mundo, Olimpíadas e integrantes do PAC. Está relacionada à duplicação de 15,4 quilômetros entre a ponte do Rio do Testo, em Blumenau, até a ligação com a Rua Santa Luzia, em Indaial. Uma das prováveis explicações para a ausência das empresas é o fato de ter sido concedido menos tempo para análise do projeto. O lançamento do edital do lote 3, que contou até com a presença dos ministros Paulo Sérgio Passos, dos Transportes, e Ideli Salvatti, da Secretaria de Relações Institucionais, foi feito dia 21 de setembro, com prazo de dois meses até a escolha da vencedora. Já o lote 4, com menos publicidade, foi lançado no dia 30 de novembro, com cerca de um mês e meio de prazo para analisar o estudo e formular as propostas.

A superintendência estadual do Dnit, que comandou o processo, limitou-se a explicar, por meio da assessoria de comunicação, que como o departamento não interfere no mercado, não poderia responder pela falta de interessados na obra.

– Fiquei muito surpreso. Todo mundo falando em duplicação e na hora H ninguém aparece. A licitação resultar deserta é comum, mas para uma duplicação me surpreende – responde o superintendente regional do Dnit em Rio do Sul, Elifas Marques.

O engenheiro atribui a complexidade do trecho ao fato de ser o mais urbanizado, ao lado do lote 3, com intensa ocupação das margens, que exigirá esforços para as desapropriações, além do fluxo de veículos que chega a superar a média de 35 mil por dia. Mas ainda assim não é tão complicado quanto o lote 2, que passa por Ilhota, com solo argiloso e difícil de assentar as novas pistas.

O Dnit garante que a prorrogação de prazo para fevereiro, para escolher a responsável pelo lote 4, não vai impactar no cronograma da duplicação. A expectativa é licitar os três lotes restantes até março e iniciar as obras no primeiro semestre deste ano, nos 73,2 quilômetros previstos entre Navegantes e Indaial. Até o final deste mês, deve ser lançado o edital de licitação para o lote 1, entre Navegantes e a ponte sobre o Rio Luís Alves.

 

 

Moradores acreditam que duplicação vai demorar
Somente no ano passado, das 35 mortes ocorridas nos 73,2 quilômetros da rodovia a serem duplicados, 13 foram no trecho entre Blumenau e Indaial. Neste ano, das seis fatalidades registradas, uma ocorreu no trecho, no Km 62,7, em Blumenau. Augusto Roque de Andrade, 49 anos, dirigia um Tempra com placas de Navegantes e morreu numa batida de frente com uma carreta de Laurentino, na madrugada do dia 10 de janeiro.

A notícia de que nenhuma empresa quis duplicar o lote 4 da BR-470 não pegou de surpresa a moradora da Rua Santa Luzia, transversal da rodovia federal em Indaial, Renata Eberhardt Xavier:

– A gente espera, espera, mas nem ligo mais quando dizem que vão duplicar. É só papo. Meu marido, meus filhos e eu usamos a BR-470 todos os dias e só consigo descansar quando sei que todo mundo chegou bem.

Há 10 anos, ela sai de casa às 7h20min e caminha cerca de 20 minutos pelo acostamento para ir trabalhar.

A proprietária do Mini Mercado Marolli, Silvia Marolli mora na BR-470 há 41 anos. Os pais de Silvia montaram uma mercearia e, há 14 anos, esperam pela duplicação do trecho, mas confessam que já perderam a fé.

Aqui na frente já ocorreram três acidentes este ano, mas já perdi as contas de quantos eu vi – conta Silvia. (Colaborou Morgana Michels).

 


 

Especialistas apontam falta de clareza no edital

Pelo Regime Diferenciado de Contratações Públicas, o valor orçado previamente pelo Dnit para o trecho não pode ser divulgado até a escolha da empresa, que vencerá se oferecer o menor preço. Ainda assim, o doutor em Sistemas de Transportes, Ivo Reinhold, acredita que o baixo orçamento destinado à obra possa ter comprometido a licitação. Ele usa como base os 12,9 quilômetros do lote 3 – somente dois a menos que o lote de Blumenau-Indaial –, que serão duplicados pelo Consórcio Momento-Conpasul-Iccila por R$ 140,6 milhões.

– Dificuldades de engenharia, o trecho de Indaial não tem. Uma obra dessas tem seus imprevistos, e se o orçamento seguir a base aplicada para o outro lote, ainda será muito baixo para o padrão da duplicação – opina Reinhold.

Para o presidente do Instituto de Engenharia, Pesquisa e Tecnologia de SC, Juliano Gonçalves, o edital pode ter deixado pontos dúbios que não estimularam as empresas a investir na obra.

– É uma pena ser deserta, porque atrasa o processo. Quando acontece isso, as empresas vislumbram que possa representar riscos por falta de clareza no projeto de execução ou nos custos – avalia.

Fonte: Jornal de Santa Catarina