Audiência pública discute a Nova Lei Geral de Seguros
O seminário “Nova Lei Geral de Seguros – PL 3555/2004”, realizado na Câmara dos Deputados, na última quinta-feira, 8, em Brasília, discutiu e aprofundou o debate das várias visões que a sociedade, setores do governo e do seguro têm sobre como deve se dar uma atualização ou a criação de uma nova lei de seguros. O evento reuniu dez expositores, entre especialistas, juristas e técnicos, e muitas foram as divergências. Entretanto, todos concordaram que há muito a se melhorar e que o debate é o melhor meio para se alcançar uma decisão equilibrada.
O primeiro expositor foi o conselheiro do Cade, Octaviano Luis, que discorreu sobre sua experiência naquele conselho, mostrando-se favorável ao projeto de lei que poderia contribuir para afastar situações de concentração no mercado de seguros, previdência privada e capitalização, sem que mencionasse como isso se daria.
Em seguida, o professor de Direito Fabio Ulhoa Coelho, da PUC, que, apesar de ser favorável ao PL, apontou a grande distorção do artigo 125, sobre seguro de vida e integridade física, que eterniza o contrato, convocando os legisladores a corrigir o erro.
Também defendeu o PL, o professor de Direito Mercantil, José Maria Munhoz Paredes, da Universidade de Oviedo (Espanha), convidado do IBDS, que tomou como exemplo a experiência espanhola, para mostrar o quanto as leis brasileiras se encontram defasadas, dando como exemplo o seguro marítimo e o seguro de incêndio. Frisou que existe uma necessidade imediata de se aprovar uma lei de seguro.
Fechando a primeira mesa de apresentações, o especialista Walter Polido, ex-diretor do Instituto de Resseguros do Brasil, hoje IRB Brasil Re, considerou que o cenário do regramento do seguro é obsoleto, ressaltando que o que vigorou até há pouco tempo estava sob pensamento do século XIX. E exemplificou com o monopólio estatal, que durou 69 anos e deixou o resseguro jurássico. Disse que o mundo mudou e quem manda agora é o consumidor.
Na avaliação de Polido, o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil melhoraram esse conjunto de normas, mas ainda assim não se tem um sistema jurídico específico para o seguro, e que este não faz parte da pauta política nem do interesse político. Razão pela qual, acrescentou, o setor tem que lutar por questões básicas, que na Europa e EUA são conquistas sedimentadas, como a questão de desonerar seguro de vida.
Paulo Luiz de Toledo Piza, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS), abriu as apresentações da segunda mesa de trabalho, dizendo-se também a favor do PL. Dentre os argumentos apresentados, destacou a importância de blindar o contrato de seguro da arbitragem fora do Brasil, e proteger o consumidor de um custo excessivo na comercialização dos diversos produtos oferecidos, que hoje são muito caros.
Débora Schalch descreveu as discussões sobre o PL 3555/2004 na Comissão de Direito Securitário da OAB-SP que preside e ponderou sobre a discutível necessidade de uma lei especial. Ela foi incisiva ao afirmar que tanto o Código Civil quanto o Código de Defesa do Consumidor atendem as questões do seguro e dos segurados, tendo, ainda, destacado a existência de farto arcabouço regulatório voltado para os interesses do segurado. Mecanismos que, na sua opinião, são suficientes, não vendo, portanto, motivo para se criar uma nova lei, que, inclusive, poderia ter impactos negativos no desenvolvimento da atividade seguradora.
Outra questão levantada por Débora foi a necessidade de tratamento diferenciado para os grandes riscos. Quanto ao resseguro, para que não seja confundido com o contrato de seguro do qual muito se diferencia, deve ser regido por lei em separado.
A grande novidade do debate foi trazida por Nelson Eizirik, professor e ex-diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), com a proposta de transformar a Susep (órgão regulador e fiscalizador) em agência reguladora. No seu entendimento, isso daria maior autonomia e força aos normativos do órgão, que seriam pautados na equidade dos contratos e harmonização das relações de consumo.
Uma das vantagens desse modelo mencionadas por Eizirik, é que poderia ser criada uma Câmara de Seguros com o objetivo de discutir com os agentes do setor as novas regras do mercado. Além de contemplar a atuação da agência por meio de um contrato de gestão. Na avaliação dele, isso traria uma visão sistêmica. O professor mostrou-se também favorável a uma legislação que atualize o decreto 73, tratando o regramento do setor de forma mais ampla.
O atuário e consultor Roberto Westenberger, por sua vez, fez considerações a respeito da importância da assessoria técnica em assuntos cujo objeto tenha o seu conteúdo dependente de expertise técnica. Explicou que o seguro se baseia na ciência atuarial para alcançar a justiça tarifária, e que se houver alterações que não considerem os princípios atuariais haverá distorções que poderão prejudicar o consumidor. Segundo ele, não pode haver indenização sem o valor do pagamento do seguro correspondente. E alertou para algumas situações no PL em que isso é permitido.
A última mesa reuniu dois líderes do mercado: Luiz Tavares Pereira Filho, presidente do Sindicato das Seguradoras RJ/ES, e Marco Antonio Rossi, presidente da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (FenaPrevi), que estava representando a Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg).
Na avaliação de Luiz Tavares, o projeto traz erro de concepção, propiciando a insegurança jurídica. Favorece os consumidores dos seguros de grandes riscos como Petrobrás e CSN, que, segundo ele, não precisam de proteção, por já disporem de muitos profissionais cuidando desses contratos.
A burocratização da contratação, um dos efeitos imediatos do PL, ressaltou, traria a elevação do custo do seguro no País, com o consequente aumento do valor médio das coberturas, o que limitaria o acesso da população à proteção do seguro, detendo sua expansão.
Exemplificou com o microsseguro, que, dessa forma, ficaria inviável, prejudicando o consumidor de classe C e D, que não teria acesso a essa proteção.
Outro aspecto considerado pelo presidente do sindicato foi com relação ao princípio da boa-fé que deve reger as relações contratuais, presente desde o Código Civil de 1916.
Luiz Tavares alertou para o fato de o PL possuir uma regulação benevolente com a fraude. Pois ao exigir da seguradora, quando da negativa de indenização, a prova de dolo do segurado ao fornecer informações inverídicas ou omitir outras necessárias, o projeto afasta o princípio da boa-fé, que é a base angular do contrato de seguro. Não sendo obrigatória a boa-fé, mas apenas a ausência de dolo, instala-se a incerteza na relação contratual, propiciando a fraude e com ela o aumento do valor do seguro como forma de assegurar o equilíbrio atuarial.
Marco Antonio Rossi, por sua vez, apresentou números atualizados da grandiosidade do mercado segurador, as milhares de pessoas e empresas prestadoras de serviços que trabalham nesse mercado. Destacou a importância da poupança que o mercado de seguros gera para a sociedade brasileira e o desenvolvimento sócio-econômico do País. Para o mercado internacional, o modelo regulatório brasileiro é considerado exemplo e citado como um dos mais desenvolvidos e sólidos do mundo.
Os números evidenciaram também a liderança do mercado brasileiro no âmbito da América Latina e a franca expansão do setor, que hoje já representa 5% do PIB brasileiro. Mas, ainda que a situação seja favorável, Rossi disse que o PL, da forma como está estruturado, desfavorece o crescimento do mercado. Nesse sentido, defendeu alterações para a desburocratização do seguro no Brasil, enfatizando que o desejo do mercado é simplificar a relação entre as seguradoras e os segurados.
Ele informou que a CNseg está preparando material, que será entregue ao relator, com uma proposta para o desenvolvimento da área de seguros. O grande desafio será fazer com que o PL 3555/2004 traga proteção para o segurado, mas também traga crescimento para o setor, que reverterá em mais protegidos.
O deputado Armando Vergílio, relator do PL 3555/2004 na Comissão Especial, elogiou o alto nível dos debates e a importância de ouvir e entender os anseios de todos os que compõem o mercado. Estão previstas mais duas audiências públicas ainda no mês de novembro.
Fonte: Viver Seguro Online