Brasilcon: especialistas debatem rumo do direito privado no País

painel18
Palestrantes resgatam história nebulosa das relações de consumo antes do CDC

Tendo como tema “O Direito do Consumidor e a renovação do Direito Privado: perspectiva histórica e visão de futuro”, os palestrantes fizeram um resgate da história nebulosa das relações de consumo que antecederam a criação do Código de Direitos do Consumidor (CDC) e analisaram a atual situação do estabelecimento de direitos, listando os novos desafios.

Painel18-Sergio-Cavaliere
Para Sérgio Cavalieri Filho, 
antes do CDC, cidadão era
apenas um número para a
economia e magistrados 
tinham as mãos atadas 
diante das práticas abusivas

O desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Sérgio Cavalieri Filho proporcionou ao público presente um passeio no tempo. Ele contou que, antes da vigência do CDC, o consumidor não tinha direitos garantidos, acrescentando que a revolução tecnológica e científica do século passado contribuiu para a mudança desta realidade. “O cidadão era apenas um número para a economia e era efetivamente tratado como tal. Os magistrados estavam de mãos atadas, e as práticas abusivas nas relações de consumo se proliferavam”, elucidou Cavalieri.

Segundo o desembargador, o CDC trouxe renovação, sendo a lei mais revolucionária do Século XX, principalmente na área de Responsabilidade Civil. “Foi o Código que reintroduziu a dignidade no direito”, enalteceu. Cavalieri citou o inciso XXXII do artigo 5º da Constituição Federal, que diz que o Estado deve defender os direitos do consumidor, como ponto de partida para a vocação constitucional do CDC, destacando a responsabilidade governamental frente a uma forte vulnerabilidade do cidadão no mercado econômico.

Para ele, há uma necessidade urgente de se retomar a condição do CDC de lei principiológica, que possui uma sobre-estrutura jurídica e é um macrossistema. O desembargador teme um retrocesso sobre as conquistas do CDC, como no caso de um julgamento, que aconteceu recentemente no Supremo Tribunal Federal, onde uma companhia aérea pediu que as regras de extravio de bagagem fossem vinculadas à Convenção de Varsóvia, de 1929, e não ao CDC. Se isso ocorresse, seriam adotados novos limites de responsabilidade para a empresa, prejudicando assim o direito do passageiro. Apesar da negativa do recurso, três ministros foram a favor. “Há nuvens negras no futuro”, preocupou-se.

Cavalieri lamenta ainda que existam universidades onde não se estuda o direito do consumidor ou onde a cadeira é eletiva. “Muitos profissionais nunca estudaram e, às vezes, a aplicação da lei não é a melhor possível. O direito do consumidor tem que estar no meio acadêmico para melhorar todas as instâncias jurídicas”, finalizou.

Painel18-Roberto-Lisboa
Promotor Roberto Senise
afirma que não existem
interesses reais para 
que se dê efetividade 
aos direitos.

Mudança. O promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo e professor da Universidade de São Paulo (USP), Roberto Senise, afirmou que o direito ao desenvolvimento não é só um direito dos povos. “É, sim, um direito dos integrantes dos povos por serem humanos”, elucidou. Ele citou uma tríade da história do setor: família, propriedade e contrato – e que essa tríade leva ao estudo de tudo o que diz respeito ao direito humano.

“A família vem do modelo patriarcal do século XIX até a contemporânea”, ilustrou, salientando as diferenças do passado para o presente, quando inicia uma preocupação maior com os direitos das mulheres, crianças e idosos. Segundo o promotor, na família do século XX e XXI, todos os integrantes são consumidores. As crianças passam a ser consumidoras influenciadas por propaganda e jogos violentos e complexos. “A sociedade do século XIX levou crianças para as fábricas e a de agora, para lojas. Elas são tão consumidoras quanto qualquer um de nós aqui”, ponderou.

Para ele, os idosos são exatamente o oposto: entram no mercado pela necessidade, por meio do empréstimo consignado. “A criança tem o pai que dá dinheiro, o idoso tem o ‘pai-banco’”, comparou. Para ele, os dois grupos são hipervulneráveis e alvo de abusos econômicos que caracterizam a desumanização da sociedade contemporânea. “Hoje, somos vistos pelo que temos, não pelo que somos. Somos agentes econômicos, coisificados”, lamentou.

O conceito de propriedade também mudou muito, conforme o jurista. “A propriedade do Século XIX era apenas aquela terra para plantar e morar. Hoje, há a virtualização dos bens onde a propriedade física começa a se esfarinhar”, alertou. Em relação aos contratos, do início do XX para cá, criou-se um novo modelo de proteção dos interesses coletivos, que tem três bases: os trabalhadores, os consumidores e o meio ambiente. “Houve uma mudança necessária com o passar dos tempos que seguiu a tendência das transformações sociais”, resumiu Senise.

Mas, em contrapartida, para o promotor, não existem interesses reais para que se dê efetividade aos direitos. “Infelizmente, temos que nos preocupar que nossos direitos tenham efetividade dentro de uma perspectiva mais sombria, mas com responsabilidade civil”, finalizou. Para ele, a responsabilidade civil é o grande guarda-chuva que vai proteger a base dos interesses econômicos contrários à proteção dos direitos.

Painel18-Fernando-Martins
Promotor Fernando Martins 
enumera alguns marcos
históricos dos direitos 
do consumidor

Renovação.  O promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais Fernando Martins ilustrou alguns marcos históricos dos direitos do consumidor, como o fim do Código Civil de 1916, onde existia a visão do homem dissociado ao ambiente, com o foco apenas no ser masculino. “Hoje, mudou. Toda pessoa tem direitos e deveres. Naquela época, tinha uma ordem pública machista absurda. O marido podia anular um casamento se a esposa não fosse virgem, por exemplo”, criticou Martins.

Ele acredita que o CDC significou uma reforma ética do direito privado, dando a responsabilidade de proteção do consumidor ao Estado. Martins crê que o direito do consumidor é ao mesmo tempo um direito fundamental e um dever fundamental, e que nasce muito mais do povo. Para o jurista, a ordem pública acompanha os avanços da sociedade e o direito do consumidor tem que mudar para se adequar aos fatos que estão acontecendo na pós-modernidade. “O projeto em tramitação é humilde, aprendendo sempre com a sociedade. Ele deve incluir pessoas que estão sendo excluídas do mercado econômico”, enfatizou.

Martins considera importante que a responsabilidade civil cresça e evolua, que haja o crédito responsável com a necessidade de uma legislação mais forte para os bancos e que se melhore a efetividade dos julgados para defesa do consumidor. Além disso, considera de suma importância que haja o cumprimento do artigo 4º do CDC, que define o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida e a transparência e harmonia das relações de consumo.

Fonte: CNseg