Ouvidorias têm papel cada vez mais estratégico no mercado
Nesta entrevista, o presidente da Comissão de Ouvidoria da CNseg, Silas Rivelle, detalha os planos de criação do curso de Analista de Ouvidoria no segundo semestre deste ano, comenta o avanço das reclamações analisadas pelos ouvidores das instituições no ano passado e destaca a importância de encarar cada queixa como um case de aperfeiçoamento dos produtos e serviços. A Comissão de Ouvidoria da CNseg, criada com o propósito de promover e divulgar as melhores práticas nesse área, reúne ouvidores de 70 empresas, favorecendo a troca de experiências dos grupos seguradores e o acompanhamento dos assuntos relevantes para o aperfeiçoamento da relação de consumo. Leia, a seguir, a íntegra da entrevista concedida pelo ouvidor Silas Rivelle.
- Quais problemas o último relatório das Ouvidorias identifica no mercado segurador? O Procon-SP afirma que, embora o setor não esteja no topo da lista das reclamações, o viés é de alta nos últimos três anos, mostrando que ajustem precisam ser feitos?
- Que houve aumento nas reclamações, isso houve. E temos vários motivos para explicar este avanço. Uma parte tem a ver com o próprio crescimento das carteiras de seguros. E, como se sabe, quanto maiores são as vendas também maiores tornam-se as reclamações. Ao mesmo tempo, o governo, por meio do Programa Nacional de Defesa do Consumidor, e as resoluções recentemente aprovadas pelos órgãos de supervisão do mercado de seguros (Susep e ANS), que tornaram as ouvidorias obrigatórias no mercado, exortam os consumidores a reclamar mais seus direitos. Vale lembrar que, embora as empresas do mercado já tivessem estruturadas as ouvidorias há anos de forma facultativa, a nova legislação, além de torná-las obrigatórias, exigiu ampla divulgação de sua existência e facilidade de acesso. Não é por acaso que hoje temos várias empresas que colocam em suas respostas aos clientes, inclusive nos atendimentos por telefone, a recomendação de que recorram às ouvidorias, caso fiquem insatisfeitos com o atendimento do SAC. Com isso, houve um aumento natural das demandas levadas para as ouvidorias. Para nós, está claro que o consumidor está mais disposto a lutar por seus direitos, deixando evidente que há necessidades de ajustes aqui e ali nas operações de seguros. Aliás, sempre haverá necessidade de ajustes, porque estamos lidando com relações de consumo, e cada parte procura ver sempre o seu lado. Isso sempre vai ocorrer e faz parte do jogo. O certo é que a melhoria da qualidade da informação é fundamental para reduzir os atritos entre consumidores e empresas, já que, quanto mais bem informado o cliente, menos conflito haverá.
- Na prática, as ouvidorias não só recebem reclamações de consumidores e dão uma resposta às queixas, mas também identificam processos operacionais que podem ser ajustados. De que forma, as contribuições das ouvidorias podem virar um radar para que a alta administração possa identificar problemas operacionais ou de comunicação em seus produtos?
- Muita gente tem a ideia equivocada das Ouvidorias, considerando-as um canal de atendimento de segunda instância. Porém, a Ouvidoria é o único canal que os clientes têm para serem ouvidos e fazer seus direitos respeitados. Ou seja, a Ouvidoria é um canal de mão dupla de informação. Por meio da reclamação, o consumidor apresenta algumas informações relevantes, permitindo que eventuais falhas operacionais sejam corrigidas. Com isso, a Ouvidoria torna-se não só o canal exclusivo de acesso do cliente à empresa, mas também esta apta a participar do seu planejamento estratégico, mantendo-se ligada diretamente à direção máxima das empresas. A Ouvidoria deve participar das discussões desde o nascedouro dos produtos, assinalando o que os clientes querem, sugerem ou pleiteiam. Enfim, é uma ferramenta estratégica, atuando em parceria com diversas áreas da empresa, como a de gestão de riscos ou de compliance, na busca de melhoria contínua dos processos, ao ser municiadora de soluções dos diversos canais e áreas da empresa.
- Por que o seguro de bens foi o principal tema a ser trabalhado pelos ouvidores, com 38.516 queixas em 2013?
- Estes números refletem uma questão cultural relevante. Ou seja, se você pegar um brasileiro médio, ele dirá que tem seguro de seu automóvel, mas provavelmente não terá seguro de Vida. No máximo, o de AP acoplado a alguma compra realizada. Ou seja, o brasileiro não tem o hábito da prevenção. Está claro que a cultura de seguros tem de ser muito trabalhada, e a Ouvidoria pode contribuir muito nesse sentido, ao informar e educar o consumidor, para que ele não só pense na questão do patrimônio, mas na questão social do seguro.
- Quais os produtos que têm demandado mais atenção das Ouvidorias?
- No relatório, a parte de seguros de bens, com destaque para automóvel, é a que mais chama atenção das Ouvidorias. Isso acaba apontando a necessidade de focar a atenção aos processos. Esta carteira não tem só o veículo em si. Quando há colisão, por exemplo, pode haver RC envolvido, falta de peças para veículos, sobretudo no caso dos importados, gerando muitas reclamações. Há ainda questões como valor recebido na perda total, que o cliente eventualmente pode discordar; problemas na qualidade do atendimento dos prestadores de serviços, questões ligadas a prêmios e a bônus.
- O senhor concorda que o consumidor brasileiro não compreende bem as características do seguro? Como vender seguro a consumidores de baixa renda e baixa escolaridade e ter a certeza de que o produto está sob medida para estes clientes?
- Volto a dizer: a qualidade da informação é estratégica nesse processo. O que é combinado não é caro. Quando você orienta o consumidor de seus direitos e deveres, ele sabe bem o que esperar do produto. O problema é que há falhas na informação. Tanto que, nos casos tratados nas Ouvidorias, após os esclarecimentos, o cliente acaba entendendo e concordando com o desfecho proposto pelo ouvidor. Tanto que o índice de casos que, após passar pela Ouvidoria, vão para a Susep ou Judiciário é bastante reduzido.
- As ações de educação financeira podem efetivamente melhorar a compreensão dos consumidores?
- A educação financeira é, sim, importante para a compra mais consciente, sobretudo no caso de Previdência Privada, dada a perspectiva de aperfeiçoar o entendimento dos planos. A nossa previdência pública atravessa um momento crítico e as suas perspectivas não são nada animadoras, considerando-se os efeitos do envelhecimento da população nas próximas décadas, algo que deve resultar em benefícios cada vez menores. Então, existe a necessidade de um trabalho efetivo de educação financeira, a fim de que as pessoas comecem a fazer poupança preventiva para um cenário futuro pouco amigável.
- Quais são os temas prioritários que estarão nas discussões de sua comissão e por que eles são tão relevantes?
- Há diversos assuntos tratados na Comissão. Recentemente, discutimos a criação do curso de formação de analista de Ouvidoria, a ser implantado no segundo semestre. Outra ação é estimular as empresas a apresentarem cases de boas práticas de sua Ouvidoria, porque isso serve de subsídio para os demais colegas. Também estamos tratando das adequações que faremos no relatório das Ouvidorias de 2014, que, entre outras mudanças, vai incluir a parte de Saúde Suplementar e de Odontologia.
- Como deve ser o papel do Ouvidor na instituição?
- Nas empresas, costuma-se dizer que o ouvidor é aquela pessoa que entra odiada nas reuniões de diretoria e sai amada. O ouvidor representa o cliente dentro da empresa, anda com CDC debaixo do braço e procura o equilíbrio na balança da relação de consumo. O ouvidor é a voz do cliente dentro da empresa e encara cada reclamação como um case de melhorias e aperfeiçoamento dos produtos e dos serviços.
- O senhor entende que a Ouvidoria pode ser um instrumento de mudança de comportamento e atitude na empresa?
- A cada dia, eu ouço que nossas Ouvidorias contribuem para mudanças de atitudes nas empresas. Nos sites, por exemplo, já é muito comum que metade da página de um produto fale da Ouvidoria. Ao mesmo tempo, gestores e diretores consultam cada vez mais ouvidores para avaliar previamente os novos produtos, com aquela visão típica do cliente.
- Qual a importância do Curso para Analista de Ouvidoria e de que forma ele contribuirá para azeitar o funcionamento das Ouvidorias?
- O curso de Ouvidoria terá duas edições neste ano. Em agosto, no Rio, e, em setembro, em São Paulo. Ainda que existam ótimos cursos de capacitação e certificação no mercado, optamos pela criação de um exclusivo em parceria com a Escola Nacional de Seguros, porque estamos focando a visão do cliente. Na maioria dos cursos disponíveis no mercado, há uma visão muito ampla. Resolução específica para que os nossos analistas possam ter capacitação em seguros e contribuam para identificar problemas que, às vezes, o ouvidor não percebe.
Fonte: CNseg