Podemos fazer o recall dos carros, mas não das vidas perdidas no trânsito

Muitas pessoas tomam conhecimento através dos meios de comunicação que fabricantes de veículos estão convocando proprietários para recall. A palavra de origem inglesa significa “chamar de volta”. O recall ocorre quando o veículo apresenta um defeito grave que compromete a segurança. Na legislação brasileira as montadoras e importadoras são obrigadas, quando tomam conhecimento do defeito, a divulgar na imprensa a convocação, alertando os proprietários sobre o problema e riscos decorrentes.
Como o comunicado costuma ser limitado, feito geralmente em apenas um dia, em poucos veículos de comunicação e sem deixar muito claro os reais riscos, a maioria das pessoas não toma conhecimento que sua moto, carro, caminhão ou ônibus foi convocado e que possui potencial defeito de risco. Além disso, muitos proprietários são negligentes e acham que não deve ser um problema realmente grave, deixando para tomar providências depois. Outros vendem o veículo sabendo que não atenderam o recall.
Nos EUA, a FIAT, que controla a Chrysler, anunciou que vai disponibilizar US$ 100,00 , quase R$ 400,00 para os proprietários que atenderem a convocação de recall. Além disso, assumiram o compromisso de recomprar cerca de 500 mil carros com recall pendente. As medidas são fruto de exigências que o Governo dos EUA fez após multar a empresa em US$ 105 milhões por descobrir várias irregularidades nos processos de recall da Chrysler.
Naturalmente que a empresa também quer evitar o desgaste de imagem em decorrência dos acidentes, as notícias negativas sobre defeitos graves. Ao mesmo tempo quer estimular proprietários a atenderem o recall. Nos EUA o índice dos que não comparecem para sanar o defeito é pequeno, já no Brasil supera os 40%. Mesmo assim, as empresas nos EUA são obrigadas a correr atrás dos 100% de atendimento.
Por outro lado, a indústria automobilística busca cada vez mais evitar os processos judiciais que surgem após as denúncias dos defeitos que são causa de acidentes graves. São indenizações milionárias, sem falar nas multas aplicadas pelas autoridades. Nesse sentido, nos EUA existe um órgão que investiga possíveis defeitos, o que ajuda no combate aos acidentes. No Brasil, infelizmente, dependemos da montadora ou importador informar defeito grave se achar conveniente.
Vários veículos importados que fazem parte de lotes convocados nos EUA por defeito grave estão circulando no Brasil, e não há indícios de que a Fiat ou Chrysler pretenda oferecer o mesmo estímulo que garante aos consumidores nos EUA. Também não há sinais de que nossas autoridades exijam o mesmo procedimento.
Como ainda não existe um órgão central para investigar acidentes no Brasil e muito menos defeitos de fabricação, não sabemos quantas pessoas morreram ou ficaram inválidas em virtude de acidentes provocados por veículos com defeito. Basta ver os números da Seguradora Líder DPVAT para ter uma ideia do possível tamanho do problema. Em 2014 quase 600 mil indenizações foram pagas para vítimas de acidentes por invalidez permanente e 52 mil por morte. Quantas dessas vidas poderiam ser poupadas caso tivéssemos realmente uma política de investigar acidentes de trânsito com vítimas?
Está na hora de centralizarmos as informações das perícias de acidentes, alertarmos os peritos sobre as convocações por recall, proibirmos que veículos sejam vendidos ou licenciados com recall por fazer. Precisamos urgente de uma agência que investigue acidentes em todo país e fiscalize com rigor os fabricantes de veículos.
Basta imaginar uma carreta ou ônibus com defeito no sistema de freio para entendermos como uma falha no processo de fabricação coloca em risco a vida de milhares de pessoas. Portanto, recall é questão de segurança no trânsito e não apenas relação de consumo. O recall de veículo, ou seja chamar de volta o proprietário na concessionária é possível fazer sem muita dificuldade. O que não conseguimos é realizar o recall de quem morreu ou sanar a invalidez permanente em decorrência de acidente grave causado por veículo com defeito de fábrica. Não existe recall de vidas humanas.
Rodolfo Alberto Rizzotto
Formado em Direito e Economia, coordena o programa de segurança nas estradas SOS Estradas e edita o site www.estradas.com.br, onde é possível acompanhar os temas de seus artigos também em arquivos de áudio, disponíveis para download.
Fonte: Equipe DPVAT
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