Trabalhar desafios e perspectivas para fortalecer os direitos

O Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC) foi tema de painel no segundo dia do XII Congresso Brasileiro de Direito do Consumidor, em Gramado (RS). Os desafios, possibilidades e perspectivas do sistema foram abordados por três palestrantes: a secretária nacional do Consumidor do Ministério da Justiça (Senacon), Juliana Pereira da Silva, o professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Marcelo Sodré, e a presidente do Fórum Nacional de Entidades Civis de Defesa do Consumidor (FNECDC), Rosana Grinberg. A mesa foi mediada pelo diretor-executivo do Procon-RS, Cristiano Aquino, que destacou a importância do debate para uma reconstrução eficaz do Código de Defesa do Consumidor (CDC). “São pessoas qualificadas para discutir a necessária atualização das regras que integram essa pauta”, avaliou.

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Os desafios e perspectivas do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor

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Juliana: “maior dos desafios
é mudar a agenda de
discussões e problemas”

A titular do Senacon, Juliana Pereira, enfatizou que a participação dos municípios e estados são fundamentais para o fortalecimento do SNDC. “O sistema só será forte se os sistemas estaduais e municipais forem fortes”, analisou. Ela elogiou a atuação do Brasilcon como base indispensável para a construção de uma doutrina de defesa do consumidor no Brasil. “Eles são importantes para alcançar quem a secretaria não alcança, compondo uma comissão de especialistas do sistema”, assegurou Juliana.

A secretária de governo fez um resgate histórico desde o momento em que entrou no SNDC. Ela afirma que, em 15 anos, houve uma mudança radical do movimento, com a legitimidade alcançada pelo próprio cidadão. “As questões foram se encaminhando, as pessoas começaram a se envolver intensamente, o conhecimento sobre o tema cresceu entre associações e municípios, propostas surgiram, a integração com os consumidores aumentou. Só tem sistema onde tem generosidade, porque sistema não tem hierarquia, tem autonomia funcional”, destacou.

Segundo Juliana, houve uma mudança de visão social e política sobre o tema. “As reuniões, no início, tinham 20 pessoas. Hoje em dia, elas são trimestrais com 150 pessoas, com lógicas de reuniões e diversos órgãos reunidos, como Ministério Público e Procons”, avaliou. “Em 2013, foram 2,5 milhões de atendimentos no Sistema Nacional de Informações de Direitos do Consumidor (Sindec). Considerando adversidades e dificuldades, muito tem sido feito nos últimos 23 anos, desde a publicação do CDC”, enfatizou.

Os desafios sobre o tema são gigantes, conforme visualizou Juliana. Ela acredita que o Brasil ainda tem muito o que aprender sobre o assunto. “Somos uma sociedade nova do ponto de vista de consumo. Ultimamente, cresceu de forma fantástica, com as pessoas viajando muito mais de avião e comprando celulares. Tem que haver um equilíbrio”, alertou. A secretária citou a Alemanha como um país que tem trocado experiências com o Brasil e crê que essa troca se deve em muito pela igualdade de debates e visões. “Os desafios que eles têm são mais maduros que os nossos, mas temos semelhanças devido ao momento do planeta do ponto de vista da sociedade de consumo”.

Para ela, o maior dos desafios é mudar a agenda de discussões e problemas. “Temos que estabelecer situações de equilíbrios para assuntos prosaicos. Não dá mais pra discutir cobrança indevida de luz, geladeira pifada, etc. Temos que discutir sistemas que a sociedade de fato necessita”, afirmou. “Defesa do consumidor não se faz só, se faz por sistemas, de forma conjunta e harmônica”, finalizou.

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Sodré: “reitera a 
necessidade de organização 
de políticas públicas
para a sociedade superar 
vulnerabilidades”

Protagonismo pungente - O professor da PUC/SP, Marcelo Sodré, destacou a questão política do tema. Ele traçou um histórico da sistema, citando as entidades civis como precursoras do SNDC em plena ditadura militar e o Procon-SP como pioneiro. Sodré reiterou a necessidade de organização de políticas públicas para a sociedade superar as próprias vulnerabilidades como consumidora. Segundo Sodré, o ano de 2003 foi um marco da virada da defesa do consumidor, com a criação do SNDC. Para ele, a virada aconteceu porque esse sistema foi criado a partir de baixo, com a ideia muito clara de pensar como implementar as ações de infraestrutura na conjuntura política, como potencializar a ação dos órgãos para o seu próprio funcionamento.

Sodré afirma que as principais dificuldades do setor são a inexistência de direitos básicos garantidos e que as leis existentes travam muitas vezes a defesa do consumidor. Outro problema é a concentração dos esforços no sentido de aprovar a atualização do CDC.

Um dos grandes desafios para o professor é garantir a autonomia do direito do consumidor. “Existe um movimento de fragmentação do direito do consumidor. O ideal seria apresentar uma emenda constitucional colocando os direitos do consumidor no artigo 5º, estabelecendo quais seriam exatamente os direitos. Isso estabeleceria a autonomia, descomplicando o sistema”, propôs. Ele ainda vê na força organizada de atuação dos órgãos públicos outra forma de estruturação do setor. “Tem que ter um marco instaurador de criação dos temas. Seria a lei complementar, que pode organizar a ideia de um sistema sem retirar competências do governo”, complementou. Para ele, é fundamental ainda a criação de um conselho nacional de sistema do consumidor. “Não existe um sistema sem cabeça, sem fórum de debates”, completou.

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Rosana destacou as
fragilidades da entidades civis

A presidente do FNECDC, Rosana Grinberg, expôs um aspecto social do tema. Ela afirmou que são três os principais desafios das entidades civis. Primeiro, segundo ela, há uma falta de recursos humanos próprios das associações. Isso acontece devido à fuga de profissionais de Direito para áreas consideradas mais rentáveis. “As instituições se viram como podem, se desdobram para sobreviver”, enfatizou Rosana.

Outro problema é a falta de acesso a recursos indispensáveis. Rosana afirma que as entidades civis não têm recurso de qualquer espécie, muito em razão da necessidade de resguardar a independência funcional. Segundo ela, falta também a distinção adequada por parte dos órgãos públicos entre as organizações “sérias” e as que não são. A presidente do FNECDC garante que existem muitos escritórios de advocacia travestidos de entidades civis, que prejudicam as associações. “A preocupação é grande por parte do fórum, pois primamos pelo rigor ético”, salientou.

Ela reclama ainda da diferenciação do governo entre órgãos públicos e civis na hora de aprovar projetos. “Tenho percebido resistência na aprovação de projetos elaborados por nós. Os órgãos públicos têm mais facilidade, sem o mínimo de discussão sobre os projetos. Isso tira das entidades civis a possibilidade de obter recursos para planos que são fundamentais para a sociedade”, complementou Rosana.

Para ela, as perspectivas começam pela ampliação do protagonismo das entidades civis. “2014 é o ano de fortalecimento. Vejo grande possibilidade de perspectivas à regulamentação de fundos estaduais para que as organizações civis possam participar dos recursos arrecadados. Acho justo pois os recursos são oriundos de multas e outras ações propostas por esse tipo de entidade. Vamos continuar trabalhando e fazendo levantamento dos fundos possíveis”, finalizou.

Fonte: CNseg