O mercado cobra. O mercado reconhece!

Que o mundo é redondo, estamos cansados de saber. Mas algumas sutis mudanças que ocorrem no mercado às vezes passam pouco percebidas, apesar das voltas que o mundo dá.

Na década passada, brotavam as primeiras ações em massa de educação financeira no Brasil e os direitos do consumidor ainda eram pouco respeitados, inclusive no sistema financeiro que questionava o Código de Defesa do Consumidor como aplicável ao seu negócio. Então, alguns produtos foram apontados como vilões do mercado, entre eles os de capitalização. Eram a bola da vez na mira dos especialistas em defesa dos menos esclarecidos.

Não era pra menos. Mais de uma vez engrossei o coro contra bancos que faziam venda de títulos de capitalização como produto de investimento. Os motivos eram vários: apresentavam rentabilidade menor do que a poupança, muito aquém do mercado nas épocas de taxas altas; recebia-se menos capital do que o investido se o resgate fosse feito antes do prazo e o principal atrativo divulgado eram as possíveis premiações. Como aceitar isso, sabendo que a população era pouco esclarecida?

Pior: em muitas instituições, os títulos eram empurrados com venda casada de outros produtos bancários. Além da venda ser inadequada, era ilegal. Enquanto isso, bombavam títulos populares e os associados à venda de utilidades domésticas. Há pouco tempo, percebi que esse produto tinha saído do foco dos especialistas e descobri que aquele mercado cresceu muito nos últimos tempos, média de 20% ao ano. Fui atrás de mais informação e tive gratas surpresas.

A começar pela postura das instituições financeiras, que não vendem mais o produto como opção de investimento, mas como alternativa de poupança, uma correção apropriada. Segundo porque a prática de venda casada vinha causando mais prejuízos à imagem do que ganhos às instituições. Vitória da sociedade, dos consumidores. Difícil dizer que tenha desaparecido completamente essa prática, mas com certeza já não está mais na cartilha dos gerentes. Terceiro porque o cenário mudou, e parece que a favor desse produto que já foi considerado patinho feio do mercado. Considero, também, que a população hoje é melhor esclarecida e mais bem informada do que na década passada. A divulgação, sem dúvida, está mais clara, mais transparente.

Com o cenário de baixas taxas de juros que afetou até a antes intocada regra de remuneração da poupança, a diferença de rentabilidade entre os títulos de capitalização e outros produtos, embora ainda seja desfavorável, não é mais tão acentuada.

Com a “bancarização” de mais de 30 milhões de pessoas, a maioria das classes “C” e “D”, esses novos clientes trouxeram para os bancos uma realidade: brasileiro gosta de contar com a sorte para melhorar de vida. Sonha com isso. Muitos que viviam à margem do sistema financeiro encontravam nas loterias, nos títulos de capitalização populares e até no ilegal e popular jogo do bicho canais para depositar esperanças, poucas vezes correspondidas. Mas a fé na sorte falava mais forte.

Ao acessarem o sistema financeiro, muitos encontraram nos títulos de capitalização alternativa que lhes atendia o aspecto cultural, de acalentar o sonho do grande prêmio, e indiretamente passaram a direcionar parte da renda na formação de reservas de poupança, mesmo que não fosse esse o objetivo. Já me deparei com casos de pessoas cuja única forma de poupar era por meio das mensalidades da capitalização. Se era a única forma, era a melhor. Óbvio. Gente que preferia resgatar da poupança ou deixar de gastar em outra coisa para não deixar de participar dos sorteios. Gente que sabia fazer limonada! Colhia a parte boa.

Se os títulos de capitalização vêm contribuindo para isso, porque não passarmos a aceitá-los e apoiá-los como mais um componente para a formação de reservas de poupança? Continuemos cobrando transparência na venda e na divulgação. Continuemos exigindo fiscalização dos órgãos responsáveis e das entidades de classe. Mas temos que aceitar a realidade. São produtos de apelo popular e que podem, sim, contribuir para a formação de reservas de poupança e aproximar a população do sistema financeiro. Naturalmente o ser humano busca o melhor. Que seja este mais um produto para ajudar na “bancarização” e na formação de reservas. Com o tempo, e com algum dinheirinho capitalizado, muitas pessoas certamente vão buscar outras alternativas de poupança e até de investimento.

Não podemos fechar os olhos para as mudanças, muito menos para as positivas, que de alguma forma possam contribuir para o bem-estar das pessoas. E, cá para nós, que vivemos defendendo a diversificação na alocação dos recursos, que atire a primeira pedra quem nunca comprou um título de capitalização ou fez uma fezinha na loteria. Sonhar faz parte da vida!

Álvaro Modernell
Sócio-Diretor da Mais Ativos Educação Financeira 

Fonte: CNseg