Entrevista: Luiz Peregrino - Previdência Complementar para o servidor público
O especialista em previdência Luiz Peregrino fala sobre a criação da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal e suas implicações.
A FenaPrevi vê com bom olhos a criação da Funpresp?
Sim. O projeto de criação da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal - Funpresp, que a Câmara dos Deputados deve votar nos próximos dias, é um passo fundamental no conjunto de iniciativas que vem sendo conduzidas nos últimos anos para equacionar os desequilíbrios da previdência social no Brasil.
É inegável que a sociedade espera que o Governo e o Congresso Nacional deem, finalmente, seqüência à reforma do setor, iniciada com a aprovação da Emenda Constitucional n° 41, de 2003. A solução proposta para os servidores públicos é imprescindível para recompor o equilíbrio da previdência social e garantir sua solvência no longo prazo.
Espera-se que o novo regime reduza a pressão sobre os recursos públicos, crescentemente alocados à previdência, permitindo recompor a capacidade de gastos públicos em áreas como a de infraestrutura e de programas de inclusão social, indispensáveis ao desenvolvimento sustentado do país.
Quais os principais benefícios da Funpresp para a redução do déficit da previdência?
A implantação do regime de previdência complementar dos servidores permitirá uma desoneração de obrigações da União de modo gradual, visto que os valores dos benefícios superiores ao teto do RGPS deverão advir do sistema complementar, e não mais do Tesouro.
Isoladamente, a mudança de regime terá um impacto negativo nas contas públicas no curto prazo, na medida em que o governo deixará de receber a contribuição sobre a parcela da remuneração do servidor entrante que ultrapassar o teto, e terá um gasto adicional, na medida em que passará a contribuir para o regime complementar, capitalizando reservas individuais para os servidores.
No longo prazo, contudo, haverá uma redução nas despesas públicas, pois o Poder Público ficará responsável apenas pelo pagamento do valor dos benefícios até o teto estabelecido para o regime, o que contribuirá para a manutenção do equilíbrio atuarial no regime próprio de previdência dos servidores públicos.
Quais os principais problemas do projeto na visão da FenaPrevi?
Apontamos como problemáticos e originários de possíveis consequências mais graves os dispositivos constantes do substitutivo de plenário que:
• possibilitam a criação do FCBE;
• mantém a possibilidade de gestão de riscos atuariais na(s) Funpresp(s) e a cobertura de eventuais déficits com a utilização de recursos do FCBE; e
• admitem a cobrança universalizada de contribuições de todos os servidores públicos participantes e de seus respectivos patrocinadores para, através do FCBE, participarem do financiamento das aposentadorias dos servidores detentores de direitos especiais.
Se o projeto for aprovado com estes problemas que o senhor aponta, que problemas poderemos ter no futuro?
É importante lembrar que o FCBE deverá suportar eventuais impactos financeiros decorrentes de aumentos da sinistralidade, nos casos de morte, invalidez e de aumento da longevidade, reduzindo seu patrimônio com os aportes a serem feitos, a título de contribuição extraordinária, às contas individuais de servidores, especialmente daqueles detentores do direito a aposentadoria especial. Isso sem falar dos riscos de possíveis resultados não satisfatórios inerentes à gestão dos recursos.
Esses aspectos negativos poderão, naturalmente, ser enfrentados pelo possível e tempestivo remanejamento dos percentuais incidentes sobre o valor dos aportes ao plano para custeio de cada um dos benefícios não programados e do próprio FCBE, redundando, no entanto, em menor capacidade de acumulação de recursos nas contas individuais para o financiamento dos benefícios programados (complementação da aposentadoria), com todos os efeitos deletérios daí advindos.
Isso porque, em função do limite da alíquota de contribuição do ente patrocinador, o plano de custeio deverá ser alterado para majorar, em detrimento da destinação de recursos à conta individual do participante, os demais percentuais de distribuição dos recursos das contribuições do participante e do patrocinador.
Resultará, dessa forma, como já comentado, em menor capacidade de acumulação de recursos no saldo da conta individual do participante, e a tendência será:
• no caso do benefício programado (aposentadoria complementar): a redução do valor do benefício (e sua possível extinção antes da morte do assistido), tendo em vista ser o plano estruturado, na forma da lei, na modalidade de contribuição definida; e
• no caso dos benefícios não programados (morte e invalidez): a necessidade do FCBE aportar valores maiores às contas individuais dos participantes atingidos pelo infortúnio, de sorte a permitir o atingimento do montante necessário ao pagamento dos correspondentes benefícios, nas condições estabelecidas no regulamento do plano.
Não seria exagero vislumbrar que, em algum momento futuro, poderá se instalar um ciclo vicioso de difícil superação, tendendo a levar o FCBE a não conseguir honrar seus compromissos e, nessa hipótese, a União, na qualidade de patrocinadora, vir a ser chamada a resolver o problema sem, a princípio, poder fazê-lo, dada proibição legal (parágrafo 3º do art. 6º da Lei Complementar nº 108).
Conclui-se, portanto, poderá ocorrer a situação do plano não ter como garantir o nível de percepção dos valores dos benefícios, salvo se remanejar os percentuais de distribuição do valor das contribuições ao custeio do plano (com as indefectíveis consequências já objeto de comentários), ou chamar contribuições dos assistidos, alternativa prevista legalmente, mas significando, na prática, redução do patamar de renda líquida e do poder de compra do assistido.
Que riscos a FenaPrevi vê na governança da Fundação? A entidade vê possibilidade de uso político das reservas?
A governança está definida no projeto de lei e o questionamento que mais se coloca é o da possibilidade de uso político dos recursos. Nesse aspecto, a Funpresp, ou Funpresps, deverão observar rigorosamente as regras, diretrizes e limites prudenciais estabelecidos pelo CMN para aplicação dos recursos das reservas, o que, por si só, já constituiria razoável barreira ao uso político dos recursos.
Resta saber como serão contidas eventuais pressões políticas sobre a Previc e o CMN e como serão punidas eventuais transgressões às regras estabelecidas, de acordo com o regime disciplinar previsto na Lei Complementar nº 109, de 2001, considerando as pessoas designadas para administração da fundação. De levar em conta, também, estar previsto no projeto de lei a instituição de código de ética e de conduta visando, inclusive, prevenir conflitos de interesse e proibição de operações com partes relacionadas a dirigentes da fundação.
Qual sua opinião sobre a criação de uma Funpresp para cada poder?
A assunção de riscos atuariais por parte dos planos de benefícios torna-se mais preocupante ao se considerar a possibilidade de serem criadas 3 entidades fechadas de previdência complementar, uma para cada Poder da União, e isso sem contar com a possível proliferação de planos dentro de cada uma dessas entidades, um para cada categoria de servidores, por exemplo.
Quanto menor for o grupo de participantes, maior será a dificuldade de diluição dos riscos atuariais, ensejando uso mais intenso dos recursos do respectivo FCBE, o que poderá vir a comprometer ainda mais a solvência do fundo.
Assim, a possibilidade de contratação externa dos riscos atuariais, deveria ser efetivamente exercida pela(s) Funpresp(s) (e por todas as entidades fechadas de previdência complementar), na qualidade de estipulante(s), pois no mercado segurador tais riscos seriam mitigados com muito maior eficiência (menores custos) e eficácia (menores riscos), não só pela sua inserção e dispersão em massa segurada muito mais expressiva e crescente, mas, também, pela utilização dos mecanismos do cosseguro, resseguro e da retrocessão.
Como o senhor vê a questão das aposentadorias especiais no contexto do Funpresp? Elas são um problema? Por quê?
Cabe comentar, inicialmente, estender o substitutivo à previdência complementar dos servidores públicos privilégios da previdência social, relacionados às aposentadorias especiais (mulheres e algumas categorias de servidores), introduzindo, desse modo, tratamento não isonômico entre os participantes do regime previdenciário complementar que o projeto se propõe a instituir.
No tocante a esta questão, é relevante lembrar que aposentadorias especiais encontram respaldo em disposições constitucionais relacionadas ao regime de previdência social próprio dos servidores públicos, o mesmo não se dando, entretanto, relativamente à previdência privada complementar.
Sob a ótica da conveniência social é também questionável que aqueles sem direito ao privilégio de aposentadoria especial sejam constrangidos a financiar aposentadorias complementares especiais com parcela dos recursos de suas contribuições e do respectivo ente patrocinador, em detrimento da formação de sua própria poupança em conta individual, e, portanto, de sua aposentadoria complementar. É o que se depreende da regra insculpida no parágrafo terceiro do artigo 17 do Substitutivo a ser votado.
A FenaPrevi acha importante que os assistidos exerçam o direito de transferir suas reservas da fundação para entidades abertas de previdência complementar, visando a compra de renda vitalícia?
Sim, é importante. A transferência de reservas às referidas entidades é faculdade assegurada pela Lei Complementar nº 109, de 2001, mas somente com excepcional autorização do órgão fiscalizador (Previc), constituindo-se tal fato em limitador à compra, pelo assistido, de rendas vitalícias. Este tipo de renda protegeria o assistido de variações no valor do seu benefício, ou de sua extinção por esgotamento do saldo da pertinente conta individual.
Os senhores também pleiteiam a transferência de riscos (morte por invalidez, por exemplo) para as seguradoras?
Não há pleito nesse sentido até porque o substitutivo de plenário já prevê essa possibilidade, a critério da fundação interessada.
A FenaPrevi entende, no entanto, que os riscos atuariais relacionados à morte e à invalidez, e outros, devam ser transferidos pela Funprespàs entidades abertas de previdência complementar, como já ocorre nos planos instituídos de previdência complementar fechada.
Os senhores tiveram alguma participação na modelagem dos substitutivos ou do projeto original enviado ao Congresso?
Não.
Fonte: Viver Seguro OnLine