Riscos do El Niño acendem alerta

A chegada do fenômeno climático El Niño no início do segundo semestre causa apreensão entre as companhias que operam o seguro rural devido aos prejuízos recordes decorrentes das quebras de safra ocorridas em 2021 e 2022, período marcado pela presença das instabilidades climáticas do La Niña, que causou fortes estragos nas lavouras do Rio Grande do Sul e do Paraná.

A expectativa é de que haja um aumento nas apólices referentes à safra 2023/24, segundo Joaquim Neto, presidente da comissão de seguro rural da Federação Nacional de Seguros Gerais (Fenseg). “O seguro rural está em alta e os agricultores estão contratando mais em função dos seguidos incidentes climáticos. Mas, devido às vultosas indenizações pagas nas duas safras passadas, as seguradoras estão cobrando mais caro pelas apólices”, afirma.

A tendência é reforçada por estudos recentes do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) divulgados no primeiro semestre. Segundo os dados do governo, o preço do prêmio médio por hectare saltou de R$ 100 em 2019 para R$ 500 em 2022. No milho primeira safra, foi de R$ 200 para quase R$ 700, enquanto no milho safrinha e no trigo, o prêmio por hectare saiu de R$ 200 para R$ 450.

Mesmo com o viés de alta, o produto vem ganhando escala nos últimos anos. Segundo a Superintendência de Seguros Privados (Susep), o volume de prêmios fechou 2022 com R$ 13,44 bilhões, alta de 39,5% em relação a 2021 (em 2019, o volume foi de R$ 5,31 bilhões). Só que as indenizações explodiram exponencialmente – atingiram R$ 10,53 bilhões, recorde histórico, superando o volume de R$ 7,16 bilhões em 2021.

“Os dois últimos anos foram os mais graves da história”, afirma Catia Rucco Rivelles, superintendente de seguros rurais da Mapfre, vice-líder no ranking, atrás da Brasilseg. A executiva afirma que houve uma mudança na postura quanto aos critérios. “A análise de risco ficou mais rigorosa, evitamos ficar concentrados em determinadas regiões e diversificamos as culturas.”

Embora o carro-chefe seja o ramo de patrimônio rural (máquinas, equipamentos e benfeitorias), a Mapfre chegou a pagar uma indenização de R$ 5 milhões por uma área de soja dizimada pela geada, no Paraná. Anos atrás, indenizou um produtor de cana-de-açúcar no Mato Grosso do Sul em R$ 10 milhões. Por força legal, as indenizações são pagas em até 30 dias, o que obrigou a companhia a reforçar sua equipe.

O fenômeno El Niño decorre do aquecimento das águas do Oceano Pacífico e tem duração média de 18 meses. Os impactos no Brasil são em períodos de estiagem no Nordeste, principalmente no interior, o que afeta em especial as áreas produtoras de milho e soja na região do Matopiba (interior do MT, TO, PI e BA), e chuvas mais frequentes, com possibilidades de granizo, no Centro-Sul, atingindo lavouras de soja, café, trigo e cana-de-açúcar. Por sua vez, o La Niña resulta no resfriamento das águas do Pacífico, o que gerou frio acentuado nos Estados do Sul e Sudeste, com maior incidência de geadas no Rio Grande do Sul, e aumento de chuvas e ventos no Nordeste ao longo de 2021 e 2022.

Para driblar os fenômenos climáticos, as companhias reforçam posições em outras modalidades. Com foco em máquinas e equipamentos, a HDI vai ingressar no seguro agrícola em uma experiência piloto em três regiões (PR, SP e MG) distintas, com grandes produtores de soja e milho. “Com o El Niño, escolhemos produtores mais estáveis em regiões que não costumam ser atingidas por fortes chuvas”, afirma Igor Di Beo, vice-presidente técnico da HDI.

Para reforçar sua posição na modalidade de máquinas e equipamentos, o Bradesco Seguros desenvolveu apólices que ampliam as coberturas dos produtos em caso de danos ocasionados por fatores climáticos, como vendaval, furacão, tornado e granizo. “São equipamentos de alto valor e boa parte é financiada, o que torna a cobertura do seguro essencial”, diz Saint’Clair Lima, diretor da Bradesco Seguros, que conta com 51 itens segurados, entre tratores, colheitadeira de grãos e pulverizadores, entre outros.

Além dos fenômenos climáticos, há ainda a expectativa pela liberação por parte do governo federal de suplementação de verbas para o Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), criado em 2004, que cobre até 40% do prêmio para pequenos e médios produtores nas modalidades agrícola, pecuária, florestas e aquícola. Segundo Guilherme Rios, assessor técnico da comissão nacional de política agrícola da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o volume anunciado de R$ 1,06 bilhão é insuficiente, e a expectativa é de que o primeiro lote de R$ 415 milhões sirva apenas para o início da safra de soja e milho. “O setor esperava R$ 2 bilhões no mínimo, principalmente com a estiagem prevista pelo El Niño”, diz.

Pelas regras do PSR, há um teto de R$ 120 mil para os prêmios, bastando ao produtor não ter débitos com a União. Segundo Rios, devido ao aumento das apólices em 2022, a área coberta foi de 7 milhões de hectares e beneficiou cerca de 77 mil produtores – no ano anterior, haviam sido 121 mil produtores e 14,01 milhões de hectares.

Entre as seguradoras, há consenso quanto à relevância do PSR em um momento de instabilidade climática. Para Glaucio Toyama, head de agronegócios da Swiss Re, a queda no acesso ao PSR se deveu também à alta no preço dos insumos devido à guerra na Ucrânia. “Como a dotação do PSR é prevista no Orçamento de início de ano, não deu para atender todo mundo.”

Na seguradora Sompo, segundo Felipe Prado Ribeiro, diretor responsável pela área de agricultura, praticamente 100% das 1,4 mil apólices de seguro agrícola para milho safrinha, sorgo e trigo são contempladas pelo PSR. No seguro agrícola, a Sompo é focada no pequeno e médio produtor e em cooperativas.

Segundo Fernando de Campos Cunha, gerente de subscrição de seguros rurais da Brasilseg, o contratante do seguro agrícola possui área média de 100 hectares, com valor segurado em torno de R$ 400 mil e prêmio médio de cerca de R$ 45 mil. “O PSR é o principal impulsionador do seguro rural no país e também o principal democratizador do acesso ao seguro.”

Fonte: SindsegSP